História do Brasil

“Anões do Orçamento”: um dos primeiros escândalos de corrupção dos anos 1990

Na história recente do Brasil, inúmeros foram os casos de corrupção que vieram à tona e aumentaram o descrédito que grande parte da população tem da política brasileira.

Uma denúncia de sequestro, que acabou se transformando em uma suspeita de assassinato, desencadeou uma investigação sobre um enorme esquema de corrupção envolvendo o Orçamento da União.

No dia 19 de novembro de 1992, o economista José Carlos Alves dos Santos saiu para jantar com a sua esposa, Ana Elizabeth Lofrano. No retorno para casa, o carro do casal foi abordado por dois homens que os levaram para Planaltina. Logo depois, Santos procurou a polícia e afirmou que a sua mulher havia sido sequestrada.

Segundo a investigação, Ana Elizabeth havia descoberto que o marido guardava em seu apartamento uma elevada soma em dinheiro. José Carlos trabalhava na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional e estava envolvido em um esquema de fraudes para a liberação de emendas parlamentares.

Essa descoberta teria custado a vida de Ana Elizabeth e levado o economista a denunciar o esquema que ficou conhecido como “Anões do Orçamento”, fazendo com que aquele sentimento de moralização que rondava o país após o impeachment de Fernando Collor de Mello, desse lugar a uma sucessão de escândalos envolvendo parlamentares. 

Chamados pela imprensa de “anões”, por pertencerem a partidos pequenos, os deputados estavam envolvidos em negociatas com o dinheiro do Orçamento da União. Eles cobravam propinas de empreiteiras, exigiam pedágios de prefeitos para liberarem recursos, manipulavam o orçamento da União ao seu bel-prazer, fazendo emendas parlamentares que destinavam verbas para entidades filantrópicas ligadas a parentes dos deputados envolvidos. As irregularidades denunciadas pelo economista José Carlos Alves do Santos trouxeram a público um esquema envolvendo muito dinheiro, deputados, senadores e empresários.

Como os sete principais envolvidos eram parlamentares que tinham pouca influência política, as suas ações passavam despercebidas e eles conseguiam movimentar elevadas quantias sem despertar a atenção do Congresso Nacional. Considerados parlamentares de baixa estatura política, eles transformaram a Comissão de Orçamento em um grande balcão de negócios.

A denúncia do esquema foi a forma que José Carlos Alves dos Santos encontrou para se livrar da acusação do assassinato de sua esposa. No entanto, a polícia identificou muitas contradições em seu depoimento, ligando seu nome a um esquema que envolvia sexo, drogas e um vídeo no qual mantinha relações sexuais com Crislene Oliveira, a sua amante.

As investigações fizeram com que o denunciante se tornasse o principal suspeito do crime. Para os investigadores, o fato de Ana Elizabeth ter descoberto as ações obscuras do marido, fizeram com que ele a matasse.

A partir da denúncia de José Carlos Alves dos Santos, foi criada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que investigou a Comissão de Orçamento e os deputados e senadores citados na lista divulgada por José Carlos. O rastreamento das contas bancárias feito pela CPMI provocou a queda do então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (PMDB), do líder do PMDB, Genebaldo Alves e do deputado João Alves de Almeida (PMDB). Verbas altíssimas foram desviadas dos cofres públicos. Para justificar os valores encontrados em sua conta bancária, o deputado baiano João Alves, alegou ter recebido 221 prêmios da loteria esportiva e federal.

Deputado João Alves disse ter recebido 221 prêmios de loteria

Essa nova investigação, levou a polícia a suspeitar que Ana Elizabeth tinha sido morta por ter conhecimento dos desvios cometidos pelo marido e seus comparsas. A polícia encontrou no apartamento de José Carlos centenas de milhares de dólares, parte do valor era composto de notas falsas, o que o levou a ser preso por porte de moeda falsa.

Na prisão, ele denunciou os integrantes do esquema e escreveu três cartas de despedida nas quais insinuava que a sua mulher havia sido morta a mando de quatro deputados. As denúncias levaram à cassação de seis deputados, quatro renunciaram ao mandato e oito foram absolvidos.

Em 28 de novembro de 1993, a polícia encontrou a ossada de Ana Elisabeth Lofrano, enterrada nas proximidades de Brasília com o crânio perfurado. O detetive particular Lindauro da Silva e o mecânico Valdeir José dos Santos confessaram o assassinato e disseram que a mataram com picaretadas a mando de seu esposo. Em outubro de 1998, José Carlos Alves dos Santos foi condenado a 17 anos de prisão como mandante do assassinato de Ana Elisabeth, mas cumpriu apenas quatro anos em regime fechado.

Em 2014, ele foi preso novamente e condenado por seu envolvimento no escândalo de corrupção dos “Anões do Orçamento”. Pouco tempo depois, conseguiu um indulto e reconquistou a sua liberdade. Atualmente, é pastor evangélico e mora em Brasília.

Quanto aos envolvidos no esquema de corrupção, poucos foram punidos, muitos seguiram na vida pública e diversas dúvidas ainda pairam sobre os valores desviados e sobre quem realmente fazia parte do grupo.

Referências:

https://veja.abril.com.br/brasil/citei-todos-eles-e-todos-eles-estao-ai-diz-delator-dos-anos-90/

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc040723.htm

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc250612.htm

Laranja, Anselmo Laghi. “Negócios públicos, riquezas privadas : o escândalo dos anões do orçamento (1993 – 1994)”. Dissertação de Mestrado. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2005. Disponível em: http://repositorio.ufes.br/bitstream/10/3416/1/tese_3422_Anselmo_Laghi_Laranja.pdf

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