História do Brasil

Conheça a história do povoado de Pau de Colher: uma comunidade messiânica pouco conhecida

Localizado na divisa entre Bahia e Piauí, o município de Casa Nova viu se formar o povoado de Pau de Colher em uma fazenda da região. Viu também a destruição total dessa comunidade de sertanejos que chegou a reunir cerca de quatro mil pessoas, as quais acreditavam que aquele local era uma terra prometida, onde estariam mais próximos do céu e construiriam uma nova vida, baseada na fé.

Liderado por José Senhorinho, o movimento que se formara ali era mais do que religioso, tinha também caráter político e social e visava alcançar melhores condições de vida para uma população socialmente excluída e que vivia na extrema miséria.

No início dos anos 1930, José Senhorinho passa a reunir em sua casa pessoas interessadas na leitura de textos bíblicos. Seguidor do beato Severino Tavares, um dos principais líderes da comunidade do Caldeirão, e de Padre Cícero, Senhorinho tinha uma boa oratória, além de saber ler e escrever, o que permitiu que reunisse uma grande quantidade de seguidores, transformando sua fazenda em um lugar sagrado e livre de exploração.

A formação dessa comunidade incomodou os grandes proprietários de terra da região e a igreja católica, a qual via nesse tipo de movimento messiânico uma contestação de sua autoridade.

Após a morte de Padre Cícero, os moradores de Pau de Colher passaram a usar roupas escuras em sinal de luto, além de símbolos e adereços que faziam referências a ele. Sob a liderança de Senhorinho e seu braço direito José Camilo, a comunidade vivia sob rígidas regras, sendo proibidas relações sexuais, o consumo de carne e bebidas alcóolicas. Homens e mulheres eram separados; a eles cabia a organização e defesa do acampamento, a elas, as tarefas domésticas e o cuidado das crianças.

Conhecidos como “caceteiros”, por usarem como arma de defesa e ataque um longo pedaço de pau feito com madeira da árvore de pau-de-colher, os seguidores de Senhorinho andavam carregando cruzes e rosários em suas mãos, tendo a reza como principal atividade. Eles acreditavam que o cacete era uma arma santificada, que seria o caminho para uma vida de fartura, na qual a miséria seria deixada para trás e a morte dos infiéis não era vista como crime, mas como um caminho para a salvação.

Em 1937, com a chegada de Quinzeiro, após a destruição do povoado de Caldeirão, o número de fiéis cresceu mais ainda, no entanto, surgiram conflitos dentro da hierarquia mantida por Senhorinho e as ações contra aqueles que se opunham ao movimento se intensificaram, fazendo com que os moradores de Pau de Colher passassem a ser vistos pelas autoridades como infratores da lei, além de serem acusados de comunistas, em função da organização coletiva do trabalho e da divisão igualitária daquilo que produziam.

No início de 1938, Senhorinho foi morto após uma investida policial contra o acampamento e a tropa foi “massacrada a pau”, conforme um sobrevivente relatou ao jornal “O Povo”, de Fortaleza.

Após esse episódio, uma grande expedição militar foi enviada ao acampamento. Muitos sertanejos fugiram para a caatinga e acabaram morrendo de fome e sede. Durante dois dias e duas noites, intensas batalhas aconteceram. Mulheres corriam em direção aos soldados, tentando cobrir as armas com lençóis e anáguas, no intuito de impedir que os atiradores acertassem as crianças. De um lado, os soldados com suas armas de fogo, do outro, homens e mulheres munidos de grossos cacetes, facas, foices e machados.

Muitas daquelas pessoas jamais tinham visto um soldado e não entendiam o que estava acontecendo, já que tinham se fixado naquele local acreditando na salvação e no encontro da terra prometida.

O saldo do conflito foi a morte de muitos homens, mulheres e crianças e a destruição total do povoado em 12 de fevereiro de 1938.

Referências:

ESTRELA, Raimundo. “Pau de Colher, uma Pequena Canudos”. Conotações Políticas e Ideológicas. Salvador, Assembleia Legislativa, 1998.

LEANDRO, Ana Lúcia Aguiar Lopes. “O Movimento de Pau de Colher na Perspectiva dos Atores Sociais. Relações entre Significações da Religião e da Miséria”. Dissertação de mestrado em Sociologia. Universidade Federal de Pernambuco, 2003.

PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. O Messianismo no Brasil e no Mundo. São Paulo, Dominus, 1965.

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