Supremacistas tupiniquins: como foi fundado no Brasil o maior partido nazista fora da Alemanha
O Partido Nazista do Brasil atuou por dez anos no país, tendo 2.900 membros em 17 estados brasileiros, mantendo mais de cem células em cidades onde havia a presença alemã. Números que colocam o Brasil na primeira posição entre os países que tiveram uma célula do NSDAP (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães).
O primeiro grupo foi criado em 1928, na cidade de Benedito Timbó, em Santa Catarina, representando não apenas a primeira célula no país, como também o primeiro partido nazista no exterior.
Para a Alemanha, o surgimento de grupos em outros países era importante para a disseminação dos ideais nazistas e, inicialmente, o governo brasileiro não se importou com a existência de um grupo desse tipo em território nacional.
A articulação e o controle do partido no exterior ficavam a cargo de Ernst von Bohle, o chefe da Auslandorganisation der NSDAP (Organização do partido nazista no exterior, ou A.O.).
A principal tarefa dessa organização era manter a “germanidade” (Deutschtum) dos alemães, ou seja, eles não deveriam se misturar com os estrangeiros, tampouco usar a língua local. Os nazistas não deveriam se envolver na política local e suas ideologias não podiam ser apresentadas aos nativos, elas deveriam ficar restritas aos nazistas alemães, que não poderiam se esquecer do sentimento de pertencimento à sua pátria.
O partido promovia eventos, fazia reuniões com os seus membros, organizava festas típicas da Alemanha e buscava unir a colônia alemã em torno dos ideais de Hitler.
Havia, porém, uma diferenciação entre os alemães “puros” e os chamados teuto-brasileiros, que eram considerados inferiores por terem ascendência brasileira.
Essa distinção foi um fator decisivo no surgimento do integralismo, movimento de caráter fascista que surgiu no Brasil na década de 1930 e que atraiu muitos teuto-brasileiros, pois eles se sentiam desprezados pelo partido nazista. Esse fato, no entanto, gerou um desconforto entre os alemães, já que eles não aprovavam a aproximação entre o seu povo e os brasileiros.
Para eles, essa aproximação colocaria em risco o projeto de germanização do Brasil. Embora os integralistas visassem “melhorar” a raça com a diminuição de negros e índios, os alemães viam isso como um processo de “lusitanização”, que não atendia aos seus anseios germânicos.
Surgiram, assim, desavenças entre nazistas e integralistas e Vargas se aproveitou da situação para colocar o Partido Nazista na clandestinidade, uma vez que os ideais alemães se opunham ao projeto nacionalista que Getúlio Vargas tinha para o país. Isso se agrava com a entrada do Brasil ao lado dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, em 1942.
Enquanto atuou no país, a célula nazista fez com que vários alemães viessem para cá. A miscigenação tão comum em nosso país, despertou o interesse dos alemães e algumas expedições foram feitas para observar as condições de colonização da raça branca por aqui. Em 1936, um grupo de pesquisadores do Instituto Tropical de Hamburgo veio ao Brasil para realizar estudos no Espírito Santo e teve papel importante nas pesquisas sobre a febre amarela e o tifo.
Esses pesquisadores concluíram que os alemães poderiam viver bem por aqui desde que não se misturassem com a população local, o que comprometeria a pureza da raça ariana.
A Amazônia também foi objeto de interesse do Reich. Entre 1935 e 1937, uma expedição percorreu o rio Jari até a fronteira com a Guiana Francesa. Em 2 de janeiro de 1936, Joseph Greiner, intérprete do grupo de pesquisadores, morreu vítima de febre amarela. Seu corpo foi enterrado na floresta e uma cruz de madeira com a suástica foi deixada no local.
A organização nacional do Partido Nazista do Brasil ficava a cargo de Hans von Cossel. Suas ações partiam de São Paulo e eram levadas aos demais estados. Cossel viajava com frequência para a Alemanha e mantinha boas relações com o alto escalão nazista. Além disso, ele conseguia se relacionar bem com os brasileiros e estabeleceu contato com Getúlio Vargas. Em 1942, após o rompimento do Estado Novo com o Eixo, Cossel voltou à Alemanha.
O nazismo no Brasil deixou evidente o racismo contra negros e mestiços, algo que não surgiu das ideologias nazistas, mas que foi amplamente difundido por ela. Além dos judeus que eram alvo da perseguição hitlerista na Europa, negros e mestiços eram considerados inferiores e a miscigenação tão característica de nosso país era tratada como um grande problema.
Sobre essa questão, o personagem Lentz, de “Canaã”, de Graça Aranha, explicita muito bem como a questão racial era vista por esses alemães que defendiam ideais nazistas. Conforme o personagem, da “fusão com espécies radicalmente incapazes” não pode resultar “uma raça sobre que se possa desenvolver a civilização”. Segundo ele, “será sempre uma cultura inferior, civilização de mulatos, eternos escravos em revoltas e quedas. Enquanto não se eliminar a raça que é o produto de tal fusão, a civilização será sempre um misterioso artifício, todos os minutos rotos pelo sensualismo, pela bestialidade e pelo servilismo inato do negro. O problema social para o progresso de uma região como o Brasil está na substituição de uma raça híbrida, como a dos mulatos, por europeus”.
Embora a publicação de “Canaã” seja anterior à ascensão do nazismo, a questão racial debatida nessa obra estará fortemente presente nas ideologias nazistas implantadas aqui. Essas ideologias, porém, passarão a ser combatidas pelo Estado Novo a partir do momento em que contrariam o ideal nacionalista que Getúlio Vargas queria instaurar. Desse modo, o NSDAP passou a ser visto como uma ameaça à estabilidade política do país e foi colocado na clandestinidade. Em 1937, as escolas alemãs foram extintas no país. Em 1938, foi proibida a atividade política de estrangeiros. Em 1939, a língua alemã foi proibida e, em 1941, a imprensa teuto-brasileira foi extinta. Desse modo, sem infraestrutura para funcionar e sem a possiblidade de fazer a sua propaganda ideológica, o Partido Nazista foi extinto do Brasil.
Apesar disso, ainda hoje encontramos células neonazistas no país e a disseminação da ideologia nazista povoa as redes sociais e segue conquistando adeptos.
Referências:
DIETRICH, Ana Maria. “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2007. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-10072007-113709/publico/TESE_ANA_MARIA_DIETRICH.pdf
https://super.abril.com.br/historia/nazistas-entre-nos/
LUCAS, Taís Campelo. “Nazismo d’além mar: conflitos e esquecimentos (Rio Grande do Sul, Brasil). Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/30632