A Campanha da Legalidade: como Brizola e seus aliados enfrentaram golpistas e atrasaram o golpe Militar de 1964
A Campanha da Legalidade foi uma ação efetiva para manter a democracia em um país que flertava com a Ditadura.
Em 25 de agosto 1961, o presidente eleito, Jânio Quadros, resolveu, sabe-se lá por que, renunciar à presidência da República. Após uma campanha populista, Quadros se viu sem condições de governar o país e alegou estar renunciando por conta de forças ocultas.
Na época, o país já passava por uma crise política terrível. Vargas tinha se suicidado alguns anos antes. A polarização entre esquerda e direita se acirrava, a Guerra Fria forçava o Brasil a tomar uma posição e os militares tentavam de toda forma tomar conta do poder executivo brasileiro.
João Goulart, eleito Vice-Presidente do Brasil, era considerado herdeiro de Getúlio Vargas e chamado de comunista por parte significativa da classe média brasileira.
Após saída de Jânio, o Congresso Nacional e forças militares, encabeçadas por generais golpistas, passaram a pressionar para que João Goulart não tomasse posse. Aproveitando uma viagem de Jango pela China, as Forças Armadas, então, resolveram pressionar os presidentes do Congresso, Ranieri Mazzilli e Auro de Moura Andrade, para decretarem uma junta militar como responsável pelo Executivo Federal.
Quando a notícia chegou até Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, o político, que era bem mais radical e combativo que João Goulart, se reuniu com sua cúpula de governo no Palácio do Piratini, instruiu Jango a não pisar no país para não ser preso, preparou um sistema de rádio para ser retransmitido por uma rede de emissoras e enviou uma contundente mensagem aos militares:
“O Governo do Estado do Rio Grande do Sul cumpre o dever de assumir o papel que lhe cabe nesta hora grave da vida do País. Cumpre-nos reafirmar nossa inalterável posição ao lado da legalidade constitucional. Não pactuaremos com golpes ou violências contra a ordem constitucional e contra as liberdades públicas. Se o atual regime não satisfaz, em muitos de seus aspectos, desejamos é o seu aprimoramento e não sua supressão, o que representaria uma regressão e o obscurantismo.
A renúncia de Sua Excelência, o Presidente Jânio Quadros, veio surpreender a todos nós. A mensagem que Sua Excelência dirigiu ao povo brasileiro contém graves denúncias sobre pressões de grupos, inclusive do exterior, que indispensavelmente precisam ser esclarecidas. Uma Nação que preza a sua soberania não pode conformar-se passivamente com a renúncia do seu mais alto magistrado sem uma completa elucidação destes fatos. A comunicação do Sr. Ministro da Justiça apenas notifica o Governo do Estado da renúncia do Sr. Presidente da República.
Por motivo dos acontecimentos, como se propunha, o Governo deste Estado dirigiu-se à Sua Excelência, o Sr. Vice-Presidente da República, Dr. João Goulart, pedindo seu regresso urgente ao País, o que deverá ocorrer nas próximas horas.
O ambiente no Estado é de ordem. O Governo do Estado, atento a esta grave emergência, vem tomando todas as medidas de sua responsabilidade, mantendo-se, inclusive, em permanente contato e entendimento com as autoridades militares federais. O povo gaúcho tem imorredouras tradições de amor à pátria comum e de defesa dos direitos humanos. E seu Governo, instituído pelo voto popular – confiem os riograndenses e os nossos irmãos de todo o Brasil – não desmentirá estas tradições e saberá cumprir o seu dever. ”
Leonel Brizola, então, passou a organizar uma resistência militar e civil contra o golpe que se levantava em Brasília. Se reuniu com generais do Sul e Sudeste, distribuiu armas para a população, suspendeu as aulas e passou a fazer pronunciamento retransmitido em várias rádios pelo Brasil. Esse conjunto de ações ficou conhecido como “Campanha da Legalidade”, pois reivindicava o direito de Jango de tomar posse como presidente da República.
Leonel Brizola, inclusive, ameaçou entrar em Guerra Civil contra o Estado Brasileiro.
Os militares golpistas, liderados por Olímpio Mourão Filho, revidaram, enviando ordens para que o comando sul das Forças Armadas bombardeasse Porto Alegre, o que mataria civis, mulheres e crianças. Coronéis e oficiais não aceitaram a ordem e sabotaram aviões e armas para que o Estado brasileiro não atacasse o próprio povo. Outra ordem foi dada para bombardear a sede do governo gaúcho, com Brizola dentro. A ideia foi abandonada, pois os militares perceberam que poderiam transformar o político em mártir, já que ele se negava a evacuar o local.
O Palácio do Piratini foi transformado em um Quartel General e, durante aquele final de mês de agosto e início de setembro, Brizola, o povo do Rio Grande do Sul e trabalhadores de São Paulo, através de manifestações diárias, conseguiram conter o golpe e os militares deram um passo atrás com medo de uma Guerra Civil.
João Goulart, ao voltar ao Brasil, negociou com os Militares golpistas e, com medo de um derramamento de sangue, aceitou assumir a presidência com poderes restritos, dividindo o cargo com Tancredo Neves, que passou a ocupar o cargo de Primeiro Ministro, em um regime de parlamentarismo misto.
Essa situação durou até 1963, quando, através de Plebiscito, novamente foi aprovado o Sistema Presidencialista no país e Jango pôde governar como deveria. Porém, em 1964, uma nova tentativa de Golpe tomou conta do país. Jango foi deposto e o Brasil mergulhou em uma ditadura sanguinária por 21 anos. Mas até hoje ninguém esqueceu o valor e o poder daqueles 14 dias de luta e resistência conhecida como “A Campanha da Legalidade”
Referências:
http://www2.al.rs.gov.br/biblioteca/Publica%C3%A7%C3%B5esTem%C3%A1ticas/50AnosdaLegalidade/tabid/5280/Default.aspx
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364948648_ARQUIVO_ArtigoparaoSNH2013-ACampanhadaLegalidadede1961eopapeldaResistenciaDemocratica.pdf
FERREIRA, Jorge. “A legalidade traída: os dias sombrios de agosto e setembro de 1961”.
Tempo[on line], Rio de Janeiro, Vol. 2,n°3,1997.
https://repositorio.ufes.br/bitstream/10/6319/1/Francisco%20Jose%20dos%20Santos.pdf