O cemitério da Recoleta: lendas, história e arte no campo santo argentino
Fundado em 1822, o cemitério da Recoleta, localizado no bairro de mesmo nome em Buenos Aires, é considerado um dos mais belos cemitérios do mundo, sendo uma atração turística da cidade.
Ele foi projetado pelo arquiteto e engenheiro francês Prosper Catelin, que se inspirou no Père Lachaise, de Paris, outro famoso cemitério que abriga túmulos de grandes nomes da história da França.
Embora tenha sido inaugurado como o primeiro cemitério público de Buenos Aires, o cemitério da Recoleta acabou se tornando a morada final da elite argentina. Após uma epidemia de febre amarela, muitas famílias tradicionais de Buenos Aires se mudaram para aquela região e foi nesse cemitério que passaram a enterrar seus entes queridos.
Recoleta se encaixa na categoria cemitério-museu, pois muitos de seus túmulos e mausoléus são considerados obras de arte, que marcam o patrimônio arquitetônico da cidade. Ele tem 4.691 sepulturas, 94 delas foram declaradas patrimônio histórico nacional.
Diferentes estilos arquitetônicos compõem as sepulturas. Os mausoléus de mármore, as numerosas abóbadas e as estátuas realistas dão um ar imponente e luxuoso ao local. As construções passam pelo estilo neoclássico e chegam a art déco, como é o caso do túmulo de Eva Péron, o mais visitado da Recoleta.
Aclamada como “Evita”, a “mãe dos descamisados”, Eva Duarte de Perón foi a segunda esposa do general Juan Domingo Perón, e se tornou adorada pelos argentinos durante o período em que ele governou o país. Ela morreu de câncer em 1952. Seu corpo foi embalsamado, mas, após ser derrubado por um golpe, o general viu o corpo de Evita ser sequestrado e levado para a Itália.
Em 1973, Perón conseguiu recuperar o corpo. No ano seguinte, ele também morreu e o dois ficaram na residência oficial de Olivos. Em 1976, Eva Perón foi enterrada na Recoleta, onde ficava o mausoléu da família Duarte. Seu túmulo é bastante simples, se comparado a outros mausoléus luxuosos do cemitério, e atrai milhares de visitantes todos os dias.
Vários outros nomes importantes da história da Argentina estão enterrados na Recoleta. Generais, artistas, escritores, médicos, empresários, ex-presidentes. Alguns túmulos, porém, chamam a atenção por sua grandiosidade e pelas histórias que circulam a respeito dos mortos que eles abrigam.
É o caso, por exemplo, do mausoléu do vice-presidente Salvador del Carril e de sua esposa Tibúrcia. Os dois viviam em pé de guerra e Del Carril se recusou a pagar as dívidas de sua esposa, chegando a fazer uma publicação nos jornais sobre o fato. Depois disso, os dois nunca mais se falaram. No mausoléu onde foram enterrados, foram construídos dois bustos do casal. Entretanto, cada um olha para um lado diferente. Del Carril, sentado em uma cadeira, olha para um lado. Tibúrcia, de costas para ele, olha para outro.
A Recoleta guarda ainda várias histórias de fantasmas, que alimentam a imaginação de seus visitantes e dão um ar sombrio à imponência do local. A mais famosa é a história de Rufina Cambaceres. A jovem morreu em 1903, aos 19 anos de idade. Seu enterro foi rápido para tentar aplacar a dor da família, mas, dias depois, seu túmulo apareceu com sinais de violação e descobriu-se que a jovem tinha sido enterrada viva, pois havia arranhões na tampa do caixão e o seu corpo estava em uma posição diferente daquela em que havia sido enterrado.
Há quem diga que Rufina seja a mulher de branco que caminha algumas noites pelo cemitério. Outros dizem que essa mulher é a Luz María Garcia Velloso, jovem que faleceu de leucemia em 1925. Segundo a lenda, ela sai para dançar e conhece um jovem que lhe empresta a jaqueta. Ao buscá-la na casa da jovem, ele descobre que ela está morta e encontra a sua jaqueta em cima do túmulo.
Outro túmulo que chama a atenção é o de Ana Crociatti, a jovem morreu em uma avalanche durante a sua lua de mel, em 1970. Seus pais mandaram construir um túmulo grandioso e, na entrada, há uma estátua da jovem com seu fiel cão, Sabu. Dizem que um homem misterioso sempre deixa um ramo de flores na entrada do túmulo, mas ele desaparece quando alguém se aproxima.
O túmulo de Davi Allendo também traz uma história curiosa. Ele era zelador do cemitério e sonhava em ser enterrado ali. Ao ganhar na loteria, viajou para a Itália e mandou construir o seu próprio mausoléu. Algum tempo depois, teria cometido suicídio para poder realizar o sonho de ser enterrado na Recoleta.
Tanto pelas histórias que circulam sobre seus mortos, quanto pela beleza de seus mausoléus ou pela grandiosidade de sua arquitetura, o cemitério da Recoleta é um excelente lugar para os amantes da arte, da história ou das lendas urbanas que sobre ele circulam.
Referências:
http://fundacaoparanabuc.org.br/arquivo/bc445_Noctua_2020_2_Stela_Barthel.pdf
https://internacional.estadao.com.br/blogs/ariel-palacios/a-elegante-cidade-dos-mortos-o-cemiterio/