“Último tango em Paris”: a busca do realismo que levou à violação de uma atriz
Lançado em 1972, o filme “Último tango em Paris”, de Bernardo Bertolucci, nasceu regado a polêmicas e sofreu censura em diversos países, acusado de atentar contra os valores familiares e ser marcado pela depravação.
As polêmicas, entretanto, não ficaram restritas ao período em que foi lançado. Até hoje, há uma imensa discussão sobre aquela que ficou conhecida como a “cena da manteiga”, na qual o personagem de Marlon Brando faz sexo anal com a personagem interpretada por Maria Schneider, fazendo uso de manteiga como lubrificante.
Na época, a atriz tinha 19 anos e disse não ter sido informada sobre essa cena. Anos mais tarde, ao falar sobre isso, Bertolucci fez a seguinte afirmação: “Não disse a ela o que estava acontecendo porque queria sua reação como uma garota e não como uma atriz. Sinto-me culpado, mas não me arrependo. Não queria que Maria interpretasse a raiva e a humilhação; queria que sentisse a raiva e a humilhação”. Sua declaração reacendeu a polêmica sobre os abusos cometidos em Hollywood, especialmente contra mulheres.
A cena marcara para sempre a vida de Maria Schneider. Para a atriz, aqueles dois minutos e trinta segundos foram marcados por humilhação e violação. Ela se sentiu estuprada por Marlon Brando e Bernardo Bertolucci. Embora não tenha ocorrido a penetração, o constrangimento de descobrir como seria a cena apenas no momento da gravação deixou marcas profundas na jovem atriz e ela nunca se recuperou do que sentiu naquele dia.
Produzido num contexto de libertação sexual, “Último tango em Paris” narra o relacionamento entre um viúvo americano deprimido por causa do suicídio da mulher e uma jovem parisiense que estava à procura de um apartamento para alugar. Os dois engatam um relacionamento movido a muito sexo, o que fez com que o filme fosse barrado em diferentes países na época de sua estreia e só pudesse ser exibido anos depois.
A polêmica em torno dessa obra segue até hoje. A atriz jamais se recuperou emocionalmente do que sentiu ao gravar aquela cena e enfrentou a depressão por longos anos. Schneider morreu de câncer em 2011, mas deu detalhes do que aconteceu em uma entrevista ao jornal britânico Daily Mail. Ela disse que se sentiu muito mal por ter sido forçada a fazer algo que não estava no roteiro, mas, como era jovem e inexperiente, não soube como agir. Segundo ela, o choro visto na tela é verdadeiro, suas lágrimas foram o resultado do sentimento de violação que a tomara naquele momento. Além disso, ela se sentiu magoada porque Marlon Brando não se desculpou depois da gravação da cena, todos agiram como se tudo aquilo fosse natural, desconsiderando os impactos emocionais que tal cena traria para a atriz.
O filme foi marcado por polêmicas desde o seu lançamento. Na Itália, terra natal de seu diretor, ele só pôde ser exibido três anos depois. Todas as suas cópias foram confiscadas uma semana depois da primeira exibição e Bertolucci foi processado por obscenidade.
No Brasil, ele foi proibido pela ditadura e só foi exibido pela primeira vez em 1979. A tensão sexual exibida na tela gerou uma verdadeira guerra cultural entre conservadores e liberais. Mas, muito mais do que uma discussão sobre quanto sexo seria aceitável no cinema nessa época, “Último tango em Paris” entrou para a lista de obras marcadas por abusos cometidos por seus diretores, que se aproveitam da posição privilegiada que ocupam para forçar atrizes a rodarem cenas com as quais não concordam ou a se exporem diante das câmeras de um modo que lhes provoca impactos psicológicos irreversíveis.
Referências:
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/05/cultura/1480943998_443245.html
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-38234372