Biografias

Apenas um rapaz Latino Americano: a trajetória de vida de Belchior

Em 26 de outubro de 1946, nasceu, em Sobral, Ceará, Brasil, Antônio Carlos Gomes Moreira Belchior Fontenelle Fernandes.
Desde pequeno, Belchior dizia que seria o maior nome da MPB, pois tinha, além do nome mais cinco sobrenomes. Mal sabia o garoto que realmente seu trabalho seria, mais tarde, colocado no panteão dos músicos e poetas nacionais.

Filho de um delegado e de uma dona de casa, Belchior cresceu acompanhando sua mãe em um coral. Na adolescência, cantou em feiras fazendo repente, modalidade e música nordestina com improviso e rimas rápidas.

Também na juventude, foi programador da rádio de Sobral, interagindo com jovens que pediam músicas de Cauby Peixoto, Angela Maria e da Jovem Guarda. Por mais que Belchior tenha sofrido influência desses cantores, para ele faltava consistência, poesia e reflexões da vida nas músicas brasileiras.

Belchior aos 13 anos

Em 1962, Belchior mudou para Fortaleza. Na capital cearense, se formou em Filosofia em um colégio de padres. Envolvido com pensadores como Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho, Belchior decide fazer uma imersão em um mosteiro de frades. Local onde aprendeu latim, italiano e Canto Gregoriano, além de ter a oportunidade de passar muitas horas refletindo sobre a vida. O contato de Belchior com a juventude na rádio, com a população nas feiras e com a filosofia e reflexão no mosteiro vão formar sua identidade artística, o que permitirá ao cantor, mais tarde, compor as canções mais belas já registradas em língua portuguesa.

Em 1971, Belchior abandona a faculdade de Medicina para andar com um grupo de artistas que incluía Fagner, Ednardo, Amelinha. Junto com esses ícones da música, Belchior foi desenvolvendo sua identidade artística. No mesmo ano, viaja para o Rio de Janeiro onde passa a participar dos mais famosos festivais do Brasil.

A explosão de sucesso, porém, veio após se mudar para São Paulo. Na capital paulista, Belchior se envolveu com grupos de cineastas, dançarinos, conheceu bandas que cantavam na noite e também passou muita dificuldade financeira.

Suas composições caíram na graça de cantores como Elis Regina. Junto com Fagner, visitou penitenciárias, escolas e regiões pobres de São Paulo com uma apresentação teatral cuja trilha sonora foi composta pelos dois.


Com dom musical observado por várias pessoas importantes da área, Belchior virou produtor, compositor e um dos melhores arranjadores da música paulista.

Por mais que já fosse conhecido, ele só estourou nacionalmente e internacionalmente com o extraordinário disco “Alucinação” (quem não conhece, vá escutar, pelo amor de Deus). No álbum foram lançadas nada mais nada menos que músicas como “Apenas Um Rapaz Latino Americano”, “Alucinação”, “Como os Nossos Pais”, “Sujeito de Sorte”, “À Palo Seco” e “Velha Roupa Colorida”. Perguntado sobre o porquê do título, Belchior respondeu: “Viver é mais importante que pensar sobre a vida. É uma forma de delírio absoluto, entende?”

O álbum foi um sucesso, só nos primeiros 20 dias vendeu cerca de 30 mil cópias. Em pouco tempo, chegou à marca de 500 mil vendas, o que transformou, finalmente, o cantor em ídolo nacional. Suas principais canções, que poderiam se descritas como poesias urbanas cantadas, refletiam sobre dilemas da juventude, temas existenciais de uma mente desassossegada e inconformada com a existência humana cheia de regras e pressões.

Sua fama transcendeu até mesmo as fronteiras do país, sendo bastante ouvido em países como Argentina, Uruguai e Chile.
Nos anos 80, Belchior ainda lança alguns discos de sucesso e passa a se dedicar mais a produções e formação de gravadoras. Sua atuação por trás dos discos foi importantíssima para a descoberta de novos talentos e o crescimento da indústria da música independente no país. Belchior sabia como fazer música sem gastar valores exorbitantes.

Nos final dos anos 90 e início dos anos 2000, o astro passa a ter um declínio financeiro na carreira. Em 2005, Belchior casa com Edna Prometheu. Em 2008, o cantor deixou de fazer shows, abandonou o carro em um aeroporto de São Paulo e desapareceu dos radares da mídia e dos fãs. Muita gente chegou a cogitar que o artista havia morrido. Por ter deixado seus bens e trabalho, inúmeras dívidas foram contraídas. Devido aos processos decorrentes dos débitos não quitados, Belchior ficou impedido de receber pelos direitos autorais de suas composições e venda de discos.

Durante anos, ele vagou pelas ruas do Rio Grande do Sul, morando em hotéis, casas de fãs e até mesmo em instituições de caridade. Chegou a passar fome e muita necessidade. Um fim triste e bastante simbólico para um importante ídolo da cultura brasileira. Após o sumiço virar notícia, uma grande emissora de TV encontrou Belchior em uma pequena cidade no Uruguai. Interrogado pelo repórter, o artista disse que não havia desaparecido e que só havia resolvido ficar um pouco no anonimato para preparar um novo álbum.

Última imagem de Belchior vivo

Pobre, sem fazer show e levando uma vida simples, Belchior falece no dia 20 de abril de 2017, aos 70 anos de idade, devido a um aneurisma na artéria aorta. O governo do Ceará emitiu uma bela nota de pesar. O governador do Estado decretou luto oficial e os álbuns de Belchior foram retirados da gaveta em todos os lugares do Brasil. A comoção pela morte do grande poeta, mostrou como Belchior nunca parou de ser ouvido nas casas do Brasil, em aparelhos de som de viajantes e de pessoas que procuram na música e poesia um alento para o peso mórbido da existência humana.

Belchior se foi, mas sua voz irá ecoar pela eternidade, pois sua obra fala com a alma. Sua música toca nas mais profundas estruturas do espírito. Suas letras são uma pulsão a não desistir da vida, por mais pesado que o fardo lhe pareça, pois como diz nosso grande cantor:
“Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não
Eu canto”

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