Artemisia Gentileschi, a pintora que, se vingou de seu algoz através da arte
“Ele me trancou no quarto a chave e depois me jogou sobre a cama, imobilizando-me com uma mão sobre meu peito e colocando um dos joelhos entre minhas coxas para que não pudesse fechá-las. E levantou minhas roupas, algo que lhe deu muito trabalho. Pôs um pano em minha boca para que não gritasse. Eu arranhei seu rosto e arranquei seus cabelos.”
Esse excerto foi retirado do processo que condenou o agressor sexual de Artemisia Gentileschi.
A imagem da artista foi retomada pela onda de feminismo nos anos 70, como símbolo de resistência usando as artes.
Artemisia foi a primeira mulher a entrar na Academia de Belas Artes de Florença, na Itália, durante o período em que a cidade era efervescida pelas artes. A moça era filha do famoso pintor Orazio Gentileschi e aprendeu a arte da pintura no ateliê de seu pai.
Ao ingressar na academia de Belas Artes, passou o pão que o diabo amassou. Seus colegas, todos homens, a ignoravam, diziam à boca pequena que suas obras eram pintadas pelo seu próprio pai. Mas Artemisia continuou buscando estilos próprios e se focou em representar passagens bíblicas que envolviam mulheres fortes e injustiçadas. O estilo ficou ainda mais patente quando Artemisia foi violentada sexualmente por um amigo de seu pai, um pintor novato em Florença, que foi recebido pelo pai da pintora em sua casa.
A coragem da pintora para denunciar o agressor, em pleno século XVII, só veio um ano após o ocorrido. O que levou a opinião pública, tomada de fortes doses de machismo, a se posicionar a favor do abusador e duvidar do crime.
O processo só foi levado para a frente porque esposas de juízes e homens poderosos se juntaram para influenciar as decisões. Segundo historiadores, seria anacronismo dizer que elas se juntaram em uma causa feminista, pois o conceito ainda não existia, porém, certamente, uma espécie de “sororidade” moveu o processo.
Além dessa comoção, Artemisia mandou um recado muito pesado artisticamente e produziu a pintura “Judite decapitando Holofernes”, baseada em uma passagem bíblica em que a viúva Judite, com a ajuda de uma serva, corta a cabeça de um poderoso General que a assediou. O quadro fez sucesso estrondoso, mulheres convenceram maridos a comprarem reproduções da pintura. A obra ficou exposta durante semanas em Florença e Roma. Certamente, a representação ajudou a construir uma legitimação para a condenação de seu algoz.
Durante o julgamento e após muita comoção, o Juiz condenou o agressor, mas deu a ele o poder da escolha da pena: 5 anos de trabalhos forçados ou sair da Itália. Ele optou pelo exílio.
Artemísia ficou durante três séculos desconhecida na história das artes. Até ter sua imagem resgatada pelo Movimento Feminista dos anos 60 e 70. Após a repercussão, o Museu de Roma organizou uma grande exposição com seus quadros e os críticos observaram o quanto as suas obras demonstraram o horror que havia sofrido nas mãos de homens e como ela promoveu uma intervenção em seu meio através de suas pinturas e expressões.
Referências:
https://www.bbc.com/portuguese/geral-38594660
https://www.thelocal.it/20191111/newly-discovered-work-by-artemisia-gentileschi-italy-auction/
biography.com/artist/artemisia-gentileschi