Por que ler os clássicos na escola?
Um dos desafios da educação brasileira é formar leitores. A discussão sobre o que ler na escola existe há muito tempo e é marcada por diferentes pontos de vista. A oposição entre a leitura obrigatória e a leitura de fruição tem sido tema de pesquisas acadêmicas há alguns anos. Enfim, o debate sobre leitura no Brasil não é algo recente e as controvérsias que esse debate despertam também são bem conhecidas.
Mesmo diante de diferentes perspectivas sobre a questão, é fundamental pensar sobre o papel de obras clássicas no ensino de literatura e muito mais do que refletir sobre o que ler, é necessário que se pense também em como ler.
Em seu ensaio “O direito à literatura”, Antonio Candido afirma que a literatura é um direito humano. A literatura é um instrumento de humanização, sensibilização e experiência estética que deve, portanto, fazer parte da realidade das salas de aula.
O texto literário se constrói a partir de uma representação da realidade, através da qual é possível viver momentos de experimentação, identificação, reconhecimento, humanização, estranhamento e superação. Através da literatura, podemos acessar mundos desconhecidos, percorrer diferentes épocas e compreender seus valores sociais e humanos.
Calvino diz que “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. A cada releitura é possível fazer uma nova descoberta, pois a obra continua falando ao leitor, estabelecendo novas relações com o mundo de quem o lê e abrindo-lhe novas possibilidades de compreensão. Desse modo, os clássicos são obras inesgotáveis em si mesmas e conhecê-los é muito importante na formação de um estudante.
Ana Maria Machado destaca a necessidade de romper com a visão de que um clássico é uma obra velha, ultrapassada. Para ela, é “um livro eterno que não sai de moda”. Uma reflexão importante quando se discute uma obra desse tipo na escola é justamente pensar junto com os alunos sobre o que teria nesse livro que o torna relevante séculos depois de ter sido escrito. Haveria nele um caráter atemporal? Os temas que ele aborda e as reflexões que provoca seriam capazes de resistir ao tempo?
Essas questões precisam ser levadas para a sala de aula. Ao contrário do que se pensa, o ensino de literatura deve ir muito além do estudo de escolas literárias. Não basta decorar características, memorizar nomes de estilos de épocas e de seus principais autores. Essa contextualização histórica é um ponto a ser trabalhado. Não deve, entretanto, ser o único. O contato direto com o texto literário, a mediação do professor, o estabelecimento de relações entre aquilo que os alunos leem e o cânone são fundamentais para criar essa ponte entre leitores e obras e efetivamente formar leitores que são capazes de adentrar no universo de uma obra clássica. Um universo nem sempre fácil e pouco povoado em nosso país. Muitas vezes, algumas obras nos fazem percorrer um caminho tortuoso, mas que pode ser vencido quando nos tornamos leitores proficientes, quando somos capazes de encontrar a chave para desvendar o que está por trás daquela obra.
Reconhecer que há uma barreira provocada pela linguagem, pelos costumes da época, pelo estilo do autor, é necessário. Essa barreira, no entanto, não é intransponível, porém será preciso que o professor também seja um leitor para que ele consiga fazer a mediação adequada da leitura.
Começar por uma obra densa como “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, por exemplo, pode não ser a melhor opção, especialmente se esse contato se limitar a uma leitura solitária ou simplesmente à busca de características do Realismo ou à identificação de elementos da narrativa. Um trabalho desse tipo pode, sim, provocar nos alunos uma aversão aos clássicos, já que é muito difícil gostar daquilo que não se compreende.
Uma possibilidade mais produtiva seria começar com textos mais leves, o próprio Machado de Assis escreveu diversas crônicas e contos que podem servir de introdução à sua obra. Outra possibilidade é iniciar o trabalho com autores mais contemporâneos, permitindo que o aluno adentre no universo literário a partir de obras que fazem uso de uma linguagem mais próxima da que ele usa para depois apresentar-lhe obras mais distantes no tempo, mas que podem ser significativas para os leitores quando lhes é fornecido o instrumental adequado para compreendê-las.
É tarefa da escola apresentar obras clássicas aos alunos, não só da literatura brasileira, mas também obras importantes da literatura universal. Essa apresentação, no entanto, deve vir acompanhada de um suporte do professor para que os estudantes tenham instrumentos para adentrar nesse meio e, posteriormente, possam fazer suas próprias escolhas. Nenhum jovem é obrigado a gostar de literatura ou a achar que os escritores dos quais gostamos são os melhores que existem, mas ter o contato com essas obras e com orientações que lhes permitam lê-las faz parte do processo de formação de leitores. Ler uma obra clássica não é apenas adquirir conhecimento sobre um livro consagrado, é ter contato com um texto que nos ajuda a entender o mundo que nos circunda e o mundo que está guardado dentro de nós.
Daniel Pennac afirma que “o verbo ler não comporta imperativo, assim como o verbo amar e o verbo sonhar”. Para que possamos mergulhar nesse universo de leitura que nos permita fazer nossas próprias escolhas é preciso que tenhamos contato com uma gama de possibilidades e, em meio a essas possibilidades, estão as obras clássicas. É tarefa da escola introduzir os alunos nesse universo. É tarefa do professor ser um leitor para que ele possa formar leitores.
Referências:
CALVINO, Italo. “Por que ler os clássicos?”. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CANDIDO, Antonio. “O direito à literatura”. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
PENNAC, Daniel. Daniel Pennac. “Como um romance”, Rio de Janeiro: Rocco, 1996.