Como foi gravada a cena mais perturbadora do Cinema Nacional
Momento do filme “Cidade de Deus” em que um garoto da Caixa Baixa, nome dado a crianças que cometiam pequenos furtos na favela, toma um tiro de pistola no pé do grupo de Zé Pequeno, chefe do tráfico local.
Mesmo que você não tenha assistido ao filme “Cidade de Deus”, já deve pelo menos ter ouvido falar dessa antológica cena.
A sequência começa com um grupo de crianças conversando sobre as possibilidades de ingresso no mundo do crime, quando chega Zé Pequeno e seu bando e várias delas fogem do local. O bandido, então, segura dois meninos ali e diz que eles pagarão pelos outros que fugiram, pede-lhes que escolham se querem tomar um tiro no pé ou na mão. A força da interpretação dos meninos dá um tom de realismo e faz com que o medo fique explícito em suas expressões faciais e no choro incessante.
Os dois primeiros disparos foram desferidos por Zé Pequeno, chefe do tráfico local. Em seguida, ele obriga Filé com Fritas, um menino que faz pequenos serviços de entrega de comida e refrigerantes aos traficantes mais velhos, a escolher um dos dois garotos para matar. A icônica cena marcou a história do cinema mundial não apenas por sua veracidade, já que é tão natural que parece algo documental, mas também pela atuação genial do pequeno ator.
No trecho em questão, conhecido por mostrar a triste realidade da iniciação de crianças no crime, a captura e o castigo dos dois garotos mostra a naturalização da violência tão comum em ambientes como os retratados no filme, assim como a total falta de perspectiva de garotos que vivem em um local dominado pela criminalidade.
A assombrosa atuação do garoto ferido é resultado direto de seu talento e a aplicação do método Fátima Toledo de atuação, que ficaria conhecido mundialmente após o lançamento do longa.
A cena também tem o objetivo de mostrar a perda da inocência e os rituais envolvidos no mundo do crime, onde matar e morrer são situações comuns.
O ator que leva o tiro em cena, Felipe Paulino, não conseguiu mais emplacar trabalhos significativos em sua carreira artística, apesar da descomunal interpretação.
Segundo Fernando Meirelles, diretor do longa, a representação do garoto, real e visceral, foi fruto do método “Fátima Toledo”, conjunto de técnicas desenvolvidas pela preparadora de elenco que sofre muitas críticas, mas é reconhecido mundialmente.
A equipe, ao ensaiar o ator, fez com que Leandro Firmino, intérprete de Zé Pequeno, causasse, propositalmente, raiva e medo no pequeno garoto. Durante os ensaios, Firmino assustava Paulino, de uma tal forma que, ao gravar a cena, o menino fica completamente em pânico e essa reação é prontamente captada pela lente de Meirelles e Kátia Lund.