Quem foi Lamarca, o primeiro inimigo de Bolsonaro
Nascido em 1937, no Rio de Janeiro, Carlos Lamarca era filho de um sapateiro e de uma dona de casa. Sonhando melhorar a sua condição de vida através do estudo, ele viu na carreira militar um caminho possível para alcançar essa ascensão.
Após duas tentativas fracassadas, Lamarca conseguiu ingressar no Colégio Militar de Porto Alegre e, em 1958, passou a integrar a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no Rio de Janeiro.
Em 1960, veio a sua primeira promoção e ele se tornou Aspirante Oficial. No mesmo ano, Carlos Lamarca se casou com Marina Pavan. Dois anos depois, integrou uma missão de paz das Nações Unidas na Faixa de Gaza.
Ao retornar da Palestina, passou a servir no Batalhão de Polícia do Exército em Porto Alegre e ali deu início ao seu engajamento político, passando a cometer as suas primeiras transgressões no exercício de suas funções, o que fez com que retornasse para a sua unidade em Quitaúna-SP. Esse retorno foi decisivo para Lamarca, pois ali ele reencontrou o Sargento Darcy Rodrigues e passou a definitivamente se apropriar de ideologias da esquerda.
Rodrigues organizou um grupo no qual discutia textos de guerrilha, livros de Che Guevara, Mao Tse Tung e Lênin. Carlos Lamarca mergulhou profundamente nesses estudos e começou a estabelecer contato com diferentes organizações de esquerda.
A partir do contato com esses movimentos, Lamarca passou a construir uma trajetória de oposição ao regime militar e a promover ações de desvio de armas e munições do regimento no qual servia.
Em 1968, ele estabeleceu contato com Marighella e foi convidado a chefiar grupos armados da Aliança Nacional Libertadora (ALN). Lamarca recusou a proposta, mas seguiu seu movimento de enfrentamento do regime, fugindo em janeiro de 1969 do quartel em Quitaúna e incorporando-se definitivamente à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Nessa época, ele conheceu Iara, com quem viveu uma grande história de amor.
Até hoje a fuga de Lamarca é lembrada. Junto com outros membros do quartel, ele atravessou o portão em uma Kombi carregada com 63 fuzis e diversas outras armas. A partir daí, foi considerado desertor e entrou de vez na clandestinidade, se tornando o responsável por várias ações de guerrilha urbana e por uma base de treinamentos de guerrilha rural no Vale do Ribeira.
Visto pelo Exército como um traidor da pátria e da hierarquia militar, Carlos Lamarca passou a ser perseguido e se tornou um dos principais inimigos do regime militar, ao mesmo tempo em que era visto pela esquerda como um herói, um homem cheio de coragem, que levou ao extremo o lema com o qual assinava as suas cartas: “ousar lutar, ousar vencer”.
Carlos Lamarca trocou o Exército pela guerrilha e se tornou o “inimigo número 1” da ditadura ao se opor ao uso das Forças Armadas para manter um regime ditatorial. Sua imagem estampou uma infinidade de cartazes de “procurado” e ele chegou a se submeter a uma cirurgia plástica para não ser reconhecido. Seu grupo realizava assaltos a bancos, casas de armas e farmácias e essas ações davam munição para justificar a imensa perseguição que o desertor passou a enfrentar.
À medida que a caçada aos guerrilheiros se tornava mais intensa e companheiros de guerrilha iam sendo presos, Lamarca se deslocava por diferentes cidades do estado de São Paulo. Em 1970, em uma de suas fugas, ele passou por Eldorado Paulista, cidade onde vivia Jair Bolsonaro e sua família. Naquele dia, o guerrilheiro baleou três pessoas em um tiroteio com a polícia militar. Bolsonaro foi testemunha da perseguição a Lamarca e afirma que esse fato o levou a alistar-se no Exército.
No período que esteve em São Paulo, Carlos Lamarca conheceu o movimento 8 de Outubro (MR-8), e deixou a VPR para integrar esse novo grupo. O movimento o encaminhou para a Bahia junto com a sua companheira Iara. Ela foi mandada para Salvador e ele foi para Brotas de Macaúbas, no sertão baiano, com o objetivo de desenvolver uma unidade de guerrilha interiorana.
Os planos dos guerrilheiros foram descobertos e, assim, teve início a Operação Pajuçara, cujo objetivo era matar Carlos Lamarca.
Iara morreu um pouco antes de seu companheiro. Segundo os militares, ela teria se suicidado para não ser presa. Essa versão, porém, é contestada por sua família, que acredita que ela tenha sido executada.
Lamarca só soube da morte da companheira dias depois e essa perda fez com que a sua vontade de lutar fosse se esvaindo. Perseguido pelo sertão baiano, ele já estava bastante debilitado quando, finalmente, foi pego. No dia 17 de setembro de 1971, Carlos Lamarca foi encontrado por uma patrulha comandada pelo major Nilton Cerqueira.
Lamarca e seu companheiro Zequinha descansavam debaixo de uma árvore quando foram encontrados. Zequinha tentou reagir, mas morreu na fuga. Lamarca foi executado com cinco tiros. Morto pelo major Cerqueira, seu corpo foi fotografado e levado para análise. Em seu estômago, encontraram apenas capim. Depois dos longos dias de fuga, de uma caçada que transformou Buritis em uma espécie de campo de concentração, no qual a livre circulação estava proibida e a tortura se tornou prática corrente para obter informações sobre o guerrilheiro, ele foi encontrado e fuzilado, entrando para a história de forma ambígua. Enquanto defensores do regime militar o descrevem como um traidor da pátria e do Exército que servia, a esquerda o vê como um oficial das Forças Armadas que lutou contra a repressão e o autoritarismo e deu a sua vida em defesa de uma causa.
Referências:
Carlos Lamarca
https://oglobo.globo.com/epoca/bolsonaro-o-moleque-sabido-que-ajudou-na-captura-de-lamarca-22971054
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/lamarca-carlos
LIMA, Camila Gomes de. A anistia política de Carlos Lamarca: luta por reconhecimento e reflexões sobre a participação do poder judiciário na transição brasileira. 2018. 240 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade de Brasília, Brasília, 2018. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/33194