Biografias

O Judas Guerrilheiro: a história de Cabo Anselmo

Quem seria capaz de entregar a sua companheira grávida para ser torturada e morta pela ditadura? Que tipo de homem trairia seus companheiros a atuaria como agente duplo? José Anselmo dos Santos, conhecido como cabo Anselmo, foi capaz de fazer tudo isso.

Ele nasceu no Sergipe em 1941, entrou para a Marinha do Rio de Janeiro em 1958 e se tornou conhecido por liderar um protesto da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil contra reformas propostas pelo presidente João Goulart.

O protesto acabou levando Goulart a apoiar os marinheiros e gerou uma crise na Marinha. Após a queda do presidente, José Anselmo dos Santos foi cassado pelo Ato Institucional nº 01 e buscou asilo na embaixada do México. Logo depois, ele passou a encampar a luta contra a ditadura que se instaurava no país, o que o levou à prisão.

Em 1966, o cabo Anselmo fugiu, indo para o Uruguai no ano seguinte. Em 1967, participou da I Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade, realizada em Havana, evento no qual foi lançado o primeiro núcleo de treinamento da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

De volta ao Brasil, em 1970, cabo Anselmo começou a atuar em São Paulo e diversos militantes com quem ele convivia começaram a ser presos e mortos, tornando-o suspeito de ser um agente infiltrado. A suspeita se tornou ainda maior quando ele foi visto em liberdade logo após ser preso por agentes de segurança em São Paulo.

Depois disso, ele viajou para o Chile e negou qualquer envolvimento com os militares. Em 1972, foi acusado novamente de trair o movimento e a VPR enviou um aviso aos seus militantes informando que Anselmo era um traidor.

Sua companheira, a poeta paraguaia Soledad Barrett, no entanto, o avisou das suspeitas e acabou sendo uma das vítimas da traição de Anselmo.  Ele realmente colaborava com a ditadura, atuava a serviço do delegado Sérgio Fleury e foi responsável por delatar pelo menos 200 militantes de esquerda, dos quais, em torno de cem, perderam a vida por causa de sua traição.

Soledad Barrett

Chamado de “Kimble” pelos órgãos de repressão, ele atuava como agente duplo e foi um dos responsáveis pela emboscada ocorrida durante um congresso em Pernambuco, em 8 de janeiro de 1973. Conhecido como “Massacre da Granja de São Bento”, o episódio resultou na morte de seis militantes da VPR, entre eles, a companheira do cabo Anselmo, traída por ele, mesmo carregando um filho seu em seu ventre.

A delação de Anselmo resultou na morte de Soledad Barrett, Pauline Reichstul, Jarbas Pereira Marques, Eudaldo Gomes e José Manoel da Silva. Eles foram presos, torturados e assassinados com 32 tiros, sendo 14 na cabeça. A poeta foi encontrada nua, dentro de um barril numa poça de sangue, tendo aos pés o feto de 4 meses, expelido provavelmente durante as sessões de tortura.

Atuando como informante do DOPS e do delegado Fleury, cabo Anselmo não hesitou nem mesmo em trair a mulher com quem vivia. Sua traição fez com que ele fosse jurado de morte por todas as organizações guerrilheiras que atuavam no Brasil, o que o levou a fazer uma cirurgia plástica e a passar a fazer uso de documentos falsos para preservar a sua vida. Em função da Lei da Anistia, ele nunca foi julgado pela colaboração que prestou à ditadura. Anselmo chegou a entrar com um pedido de reparação na Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, porém seu pedido foi negado.

Ao falar sobre as suas ações, ele diz não sentir culpa, afirma ter sido “anistiado por Deus” e ter colaborado com o “Estado legal, com a pátria, com a nação, consciente de que a Ditadura do Proletariado ou qualquer ditadura é contrária à liberdade. A motivação maior foram valores cristãos incutidos na infância”.

Atualmente, o cabo Anselmo pode ser visto dando palestras em movimentos de Direita, nas quais prega contra a “doutrinação marxista”, defende o atual governo e reafirma que a ditadura foi a melhor época para se viver no Brasil.

Referências:

https://oglobo.globo.com/epoca/cabo-anselmo-famoso-agente-duplo-da-ditadura-agora-palestrante-de-direita-22891376

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/44105-cabo-anselmo-ja-era-agente-duplo-em-64-dizem-documentos.shtml

https://www.encontro2018.sp.anpuh.org/resources/anais/8/1530845387_ARQUIVO_RafaelFreitas-Anpuh-2018.pdf

SOUZA ,Percival de. “Eu Cabo Anselmo”. São Paulo: Globo, 1999.

CAMPOS, Luiz Felipe. “O Massacre da Granja São Bento”. Recife: CEPE – Companhia Editora de Pernambuco, 2017.

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