Curiosidades

O que é genocídio e a quem podemos chamar de genocida?

O termo genocídio vem sendo amplamente utilizado nos últimos tempos e seu uso tem gerado discussões acaloradas. De um lado, vemos quem diga que esse conceito traduz o número de mortes em decorrência da Covid-19 e a inércia de alguns governantes em relação a isso. De outro lado, há quem afirme que esse uso seria uma deturpação do conceito original e que não se aplicaria ao que tem acontecido hoje. O fato é que o termo se tornou corrente em nosso vocabulário no último ano e merece ser analisado.

O conceito de genocídio apareceu pela primeira vez no livro “Axis Rule in Occupied Europe: Laws of Occupation – Analysis of Government – Proposal for Redress”, em 1944. Nessa obra, escrita pelo advogado judeu polonês Raphael Lemkin, o termo é empregado para referir-se à política nazista de extermínio do povo judeu durante o Holocausto e a momentos anteriores que também foram marcados pela destruição de determinados grupos.

Raphael Lemkin

Formado a partir de um hibridismo do radical grego geno, que significa tribo ou raça, e do sufixo latino cídio, que se refere ao ato ou efeito de matar, o vocábulo passou a ser empregado para referir-se à destruição de um povo.

Rapidamente o conceito ganhou projeção, entretanto, não foi empregado pelas Nações Unidas durante os Julgamentos de Nuremberg. Na ocasião, os crimes praticados pelos nazistas foram chamados de crimes contra a humanidade.

Em 1948, aconteceu a Convenção para a Prevenção de Punição de Crimes de Genocídio e o conceito passou a ser utilizado como um termo jurídico. De acordo com Bruneteau, o século XX foi o século dos genocídios, assim, uma tipificação desse tipo de crime era necessária para que se pudesse julgá-lo devidamente. No dia 11 de julho de 1948, a ONU aprovou a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Após ser ratificada por 20 países, a convenção entrou em vigor em 12 de janeiro de 1951.

Conforme Lemkin, o termo não significa necessariamente a destruição imediata de uma nação. Um genocídio pode ocorrer a partir de diferentes ações que sejam capazes de levar à destruição dos fundamentos essenciais da vida de certos grupos, provocando o aniquilamento de suas instituições políticas e sociais, de sua cultura, língua, religião, liberdade, dignidade, ou seja, impedindo os mecanismos que garantem a sua existência.

No Brasil, o crime de genocídio é definido pela Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956. Segundo essa lei, comete genocídio quem age com a intenção de destruir completamente ou em parte um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Desse modo, matar membros do grupo, causar lesão grave à integridade física ou mental de seus membros, submeter intencionalmente o grupo a condições que possam provocar a sua destruição ou adotar medidas que visem impedir o nascimento de novos membros, configuraria o crime de genocídio.

Há diversos trabalhos que defendem que no Brasil ocorre, de forma recorrente, um genocídio do povo negro e indígena, que vem sendo exterminado sistematicamente ao longo da história do país.

No âmbito internacional, vários genocídios foram praticados em diferentes pontos do globo. No Camboja, as ações do ditador Pol Pot exterminaram cerca de 20% da população do país, entre os anos de 1975 e 1979. Após a Segunda Guerra Mundial, Josef Stalin obrigou alemães a deixarem a União Soviética. As condições do retorno e a violência encontradas no trajeto, provocaram a morte de cerca de 2 milhões de pessoas.

Um dos genocídios mais lembrados foi o praticado no Congo Belga em 1890. A população local foi massacrada e escravizada, as cenas de violência extrema ganharam o mundo e deixaram um saldo de cerca de 8 milhões de mortos. O Holocausto, evento que deu origem ao termo genocídio, deixou um extenso caminho de corpos e atrocidades, explicitando como um governo genocida pode criar um mecanismo extremamente eficiente para exterminar pessoas.

Olhando para o contexto em que o termo tem sido empregado atualmente no Brasil, pode-se dizer que é um uso que foge da acepção pura da palavra, já que não há explicitamente uma sucessão de ações que visam o extermínio de uma etnia específica. Embora as estatísticas indiquem que as mortes ocorrem em maior número entre uma parcela específica da população, todo brasileiro pode ser vítima da doença e das omissões do governo nas ações de contenção da pandemia.

Entretanto, se pensarmos que a língua não é estática e que as palavras ganham novas acepções conforme o seu uso, é possível compreender a ampla circulação do termo em nosso país. Certamente ter um governo genocida não é motivo de orgulho para povo nenhum. Olhar para a história e encontrar tantos casos de genocídio também não. É inegável, porém, que, à medida que a nossa pilha de corpos vai crescendo, a sensação de que estamos presenciando um genocídio vai se tornando mais forte. Ainda que o termo tenha assumido uma nova conotação, quem o emprega está amparado tanto pelo funcionamento da língua, quanto pelo fato de que a ausência de uma política efetiva de enfrentamento da pandemia tem provocado um número de mortes que jamais poderá ser naturalizado e que entrará para a história como um período em que o Brasil assistiu a uma sucessão de mortes que poderiam ter sido evitadas com ações mais eficazes de contenção do vírus.

Referências:

https://super.abril.com.br/mundo-estranho/os-10-maiores-genocidios-da-historia/

https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/os-7-maiores-genocidios-da-historia/

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292005000200007

https://epoca.globo.com/michel-gherman/coluna-nenhum-genocida-gosta-de-ser-chamado-de-genocida-24928096

http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RIMA/article/view/734/560

https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/136272/alvez_tsr_me_mar.pdf?sequence=3&isAllowed=y

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