A mais louca das festas: como foi o carnaval de 1919, o primeiro após a Pandemia de Gripe Espanhola
A comemoração da vida após a Gripe Espanhola, o Carnaval foi considerado o mais louco de todos os tempos.
Expurgando a tristeza do difícil ano de 1918, a festa de carnaval de 1919 foi uma das maiores felicidades coletivas já registradas na história do Brasil
Considerada uma das mais letais pandemias já enfrentadas pela humanidade, a gripe espanhola matou 5% da população do planeta. No Brasil, estima-se que tenha matado cerca de 35 mil pessoas e espalhando o caos e o medo nas principais capitais do país.
O mês de outubro de 1918, foi o mais terrível, marcado pela intensa proliferação do contágio e por um número de mortes com o qual o país não estava preparado para lidar. Conforme narra Nelson Rodrigues em uma de suas crônicas, “morria-se em massa. E foi de repente. De um dia para o outro, todo mundo começou a morrer. Os primeiros ainda foram chorados, velados e floridos. Mas quando a cidade sentiu que era mesmo a peste, ninguém chorou mais, nem velou, nem floriu. O velório seria um luxo insuportável para os outros defuntos.”
As mortes eram tantas e ocorriam de forma tão rápida que faltavam tábuas para a confecção de caixões, faltavam coveiros para enterrar os mortos e presos foram convocados para executarem esses serviços. Corpos eram empilhados nas calçadas das casas, algumas pessoas, jogadas ainda com vida, eram mortas a pauladas para evitar a propagação da doença. Circulava a história do “chá da meia-noite”, uma bebida que acelerava a morte de pacientes que agonizavam nos hospitais.
Diante disso, escolas, comércio, cinemas e bares foram fechados. Todos os eventos foram cancelados e a vida social das pessoas foi suspensa.
Em novembro, as mortes começam a reduzir e, em janeiro, embora ainda ocorressem alguns casos esporádicos, a vida do brasileiro foi retornando à normalidade. Assim, o Carnaval de 1919 é considerado por muitos cronistas da época como um dos carnavais mais animados e transgressores da história do país.
Além de comemorar o fim da Primeira Guerra Mundial, os foliões usaram esse carnaval como uma forma de celebrar a vida e deixar para trás os longos dias nos quais se viram lutando contra a morte.
Muitas marchinhas foram compostas fazendo referência à gripe espanhola: “Assim é que é!/ Viva a folia!/ Viva Momo –/ Viva a Troça!/ Não há tristeza que possa/ Suportar tanta alegria./ Quem não morreu da Espanhola, / Quem dela pode escapar /Não dá mais tratos à bola/ Toca a rir, Toca a brincar…”, a folia tornou-se uma forma de exorcizar a tristeza dos meses anteriores e marcar a libertação trazida pelo fim da pandemia.
Ao falar sobre o Carnaval de 1919, Carlos Heitor Cony afirma que era “natural que, depois da fase mortuária, viesse a fase libertária, ou libertina, basta dizer que as delegacias da cidade registraram a queixa de 4.315 defloramentos e outros tantos casos de abandono do lar, adultério e até incesto”.
Embora os historiadores reconheçam que há um certo exagero na interpretação que os cronistas deram ao evento, eles afirmam que realmente foi um momento no qual os brasileiros extravasaram toda a tensão e a dor dos meses anteriores, tomando as ruas e celebrando a vitória da vida contra a morte.
O carnaval carioca foi marcado por bailes, batalhas de confetes, blocos espalhados por todos os cantos da cidade e desfiles que tematizaram a gripe espanhola e o chá da meia-noite que, se antes era visto como uma ameaça, agora se tornava motivo de brincadeira entre os foliões, não provocando medo em mais ninguém. Para celebrar a vida, o povo foi às ruas e a festa carnavalesca foi a forma encontrada para deixar a doença no passado e seguir em frente.
Referências
Referências:
https://g1.globo.com/pop-arte/blog/luciano-trigo/post/2020/02/08/o-carnaval-assombrado-por-um-virus.ghtml
http://brasilianafotografica.bn.br/?tag=carnaval-de-1919
https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/85-cronica/1543-a-morte-vingou-se-no-carnaval.html
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702006000100008
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2502200105.htm
SANTOS, R. A. DOS.: O Carnaval, a peste e a ‘espanhola’. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 13, n. 1, p. 129-58, jan.-mar. 2006.