História do Brasil

A história de Gil Gomes, repórter e pai dos programas Pinga Sangue na TV brasileira

Entenda o significado desse interessante personagem na cultura popular, sua relação com o público e a construção da percepção de violência no país.

Ao longo de quase 60 anos de carreira, Gomes foi a voz que levou aos lares brasileiros os piores crimes e desgraças ocorridas no país.

Quando era criança, na pequena cidade de Monte Mor, estado de São Paulo, lembro-me de que minha avó contava sobre um crime que havia ocorrido dentro dos limites do município. Nas repetidas vezes que me contou o fato, lembro sempre da frase: “O crime foi tão violento que até o Gil Gomes contou a história”.

Na época, Gomes era o personagem principal do programa “Aqui Agora”, atração jornalística policial sensacionalista, que ficou durante anos na grade de programação do SBT.
Ao relembrar a história que minha ancestral contava, percebi o quanto esse repórter adentrou a mente dos brasileiros e ajudou a alterar a percepção de meus conterrâneos sobre violência, mídia e criminalidade.

Gil Gomes era paulista, criado na Mooca, tradicional bairro da cidade de São Paulo. Quando criança, vendia balas e doces nos semáforos e acompanhava atônito partidas de futebol do seu time de coração, a Portuguesa.
Gago de nascença, Gil alimentava o sonho de narrar jogos de futebol e histórias. Aos 14 anos, entrou para o grupo de Marianos da Igreja Católica, onde passou a fazer locuções em quermesses. As técnicas da locução ajudavam a diminuir os entraves causados pelo problema na fala.
Foi narrando um desses eventos católicos, que Gomes conseguiu seu primeiro emprego, na Rádio Progresso, narrando partidas da Primeira e Segunda divisões do Campeonato Paulista de Futebol. Após passar por várias rádios do interior, onde conheceu bem o público para quem iria falar anos depois, Gil Gomes conseguiu emprego na consagrada rádio Marconi, crítica ferrenha da Ditadura Militar.

Durante os primeiros anos na emissora, Gomes trabalhava como entrevistador de políticos. Quando, no final dos anos 60, por acaso, ocorreu uma coincidência que transformaria o jornalista no maior repórter policial da história do país. No prédio da Marconi, estava ocorrendo um caso de agressão sexual, Gil Gomes ficou sabendo do ocorrido por telefone, e, por impulso, saiu do estúdio e foi cobrir o caso em tempo real. A história foi tão bem contada que, naquele dia, a rádio bateu o recorde histórico de audiência e, ali, o jornalista descobriu a fórmula do sucesso: a cobertura de eventos violentos ao vivo.

Conhecendo a fórmula do sucesso, o método Gomes de narração da violência se espalhou por muitos lugares do país. Com a mão levantada à altura do peito, fazendo movimentos circulares, microfone próximo da boca, Gil Gomes foi, por inúmeras vezes, o primeiro a montar e divulgar a narrativa de vários crimes que ocorriam no calor da hora.

Muitas vezes, a própria polícia tinha problemas em contradizer a primeira versão divulgada pelo jornalista.

A imprensa marrom, que divulgava crimes no calor da hora, sempre fez muito sucesso no país, mas Gomes passou a levar, em tempo real, entrevistas com suspeitos, policiais e com a população que viveu a situação. Cada parte ouvida, contribuía para montar a história do crime ali no local do acontecimento, minutos após o ocorrido. O público participava do evento como se fosse um escrivão de polícia ouvindo as versões no calor da hora.

A voz de Gomes causava arrepios e trazia ao ouvinte e, posteriormente, espectador, um suspense único. Durante alguns anos, por causa de suas críticas ao trabalho policial, acabou sendo perseguido pela ditadura e preso em várias ocasiões. Em todas elas, Gil foi solto por delegados amigos.

O Regime também o culpou pela mudança brusca de percepção da violência na mentalidade do brasileiro, já que os casos que Gomes cobria, eram contados com tantos detalhes e suspense que flertavam com o sensacionalismo e ficção, causando pânico coletivo.

Após a Ditadura militar, trabalhou no programa “Aqui Agora”, no SBT, no qual cobriu as piores desgraças e crimes da história da capital e do interior paulista. O estilo Gil Gomes de jornalismo se espalhou pelo país e se tornou uma fórmula até hoje usada pelos programas televisivos dos fins de tarde no Brasil.

O jornalismo policial, sempre muito popular na história do país, encontrou em Gomes o expoente de transição da mídia impressa para o rádio e a televisão. Até hoje, quando se fala em crimes de antigamente, certamente, é a voz dele que narra os fatos na memória dos mais velhos.

Os jornalistas que se arriscam nessa área do jornalismo, passam obrigatoriamente pelo trabalho do histórico repórter que habitou, durante anos, o imaginário popular brasileiro.

Depois de muitos anos atuando ininterruptamente em rádios e canais de TV, Gil Gomes ficou afastado da tela de 2005 a 2014. Em 2015, foi procurado pela rede Record de TV, a qual realizou uma grande reportagem sobre sua história. Voltou a trabalhar em 2016, para a TV Ultrafarma. Em 2018, faleceu de um câncer no fígado, enfermidade que lhe tomava o corpo e a saúde desde 2015.

Referências

https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/gente/noticia/2018/10/morre-gil-gomes-popular-reporter-policial-aos-78-anos-cjnbpuqnv05ej01pi9zv2olt3.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gil_Gomes

http://memoriasdaditadura.org.br/programas/radio-marconi-e-gil-gomes/

https://veja.abril.com.br/entretenimento/reporter-policial-gil-gomes-morre-aos-78-anos/

https://kogut.oglobo.globo.com/noticias-da-tv/critica/noticia/2018/10/gil-gomes-tem-um-lugar-na-historia-da-nossa-tv.html

Please follow and like us: