A Fera de Macabu: a história do erro judiciário que levou um inocente para a forca e marcou o fim da pena de morte no Brasil
Manuel da Mota Coqueiro era um rico fazendeiro da região de Macaé, Rio de Janeiro. Possuidor de muitos inimigos ricos e influentes, o proprietário foi vítima de um dos maiores erros judiciais da história do país. Sua morte, por enforcamento, mostrou a face cruel da influência política nos julgamentos da época e a forte dúvida em relação à sua inocência acendeu um debate sobre a crueldade e insanidade da pena capital aplicada pelo Estado.
Devido ao fim do tráfico negreiro, com a lei Eusébio de Queirós, Mota Coqueiro, assim como vários outros fazendeiros da época, iniciou a prática do regime de parceria com colonos livres. Nas suas terras da fazenda Bananal, foi residir e trabalhar o meeiro Francisco Benedito da Silva, juntamente sua numerosa família.
Francisca, uma das filhas de Francisco Benedito, teve um caso amoroso com Mota Coqueiro, que já era avançado de idade e tinha filhos e enteados, e ficou grávida. O pai, ao saber do caso, passou a pressionar Mota Coqueiro, pedindo vantagens econômicas como compensação pela gravidez da filha.
A partir de então, ocorreram vários conflitos entre Mota Coqueiro e Francisco Benedito, que foi ameaçado de expulsão das terras que ocupava. Francisco Benedito foi apoiado por alguns pequenos proprietários dos arredores. Em certa ocasião, Francisco Benedito e um amigo, pequeno proprietário dos arredores, emboscaram e agrediram Mota Coqueiro quando este vistoriava a fazenda Bananal.
Mota Coqueiro tinha vários inimigos pessoais com influência na política local. Um deles era um primo, Julião Batista Coqueiro, o parente o odiava por nutrir por Coqueiro um sentimento de vingança. Vinte e cinco anos antes, quando o primo Julião Batista foi estudar longe de Macaé, Mota Coqueiro aproveitou a sua ausência para cortejar e casar com sua antiga noiva. Esta primeira esposa de Mota Coqueiro morreu algum tempo depois e ele se casou novamente com Úrsula das Virgens, que era viúva e tinha um filho.
Também era mal visto na região por alguns padres e fazendeiros católicos, pois tinha tomado posse de várias extensões de terras, entre as quais, antigas propriedades dos Jesuítas que ficaram desocupadas quando estes foram expulsos do Brasil.
Em uma noite chuvosa de 1852, Francisco Benedito e toda a sua família foram mortos a golpe de facões por um grupo de cerca de oito negros, escapando somente Francisca, a filha grávida. A casa foi incendiada, mas a chuva não permitiu que os corpos fossem queimados totalmente. Além de Francisco Benedito, foram assassinados a sua esposa, três filhos adolescentes e três crianças, uma delas com três anos de idade.
Mota Coqueiro tinha chegado na fazenda Bananal na tarde deste dia. Durante o horário provável em que ocorria o crime, estava na casa grande em reunião de negócios com vários empresários locais que desejavam comprar madeira das suas terras. A distância entre o local em que estava Mota Coqueiro e o local onde ocorreu o crime era de menos de 2 quilômetros e ninguém presente na reunião percebeu qualquer movimento anormal na fazenda.
Francisca, a filha sobrevivente, fugiu durante dois dias pelas matas, até que pediu auxílio na fazenda de um proprietário amigo próximo do primo e desafeto de Coqueiro, Julião Batista. Este, imediatamente, levou o caso às autoridades competentes; o delegado e o subdelegado de Macaé, acusaram Mota Coqueiro de ter sido o mandante da chacina.
Alguns dias após o crime, fugindo a cavalo, Coqueiro é reconhecido e preso, após pedir água em uma fazenda.
Levado para a prisão da cidade de Macaé e sondado pela imprensa local, ganhou o apelido de “Fera de Macabu”.
Após a prisão, uma série de erros e manipulações judiciais passam a ocorrer. Depois da aceitação da denúncia, os promotores do caso infringiram muitas normas jurídicas para conseguir a condenação do réu. Arrolaram como principal testemunha uma ex-escravizada da fazenda de Coqueiro. Na época escravizados não podiam testemunhar. A negra Balbina acusou um dos feitores da fazenda, com quem ela teve um caso amoroso, de ter sido o executor do crime a mando da Fera de Macabu, outros inimigos políticos de Coqueiro foram convocados para depor. Inimigos do réu pagavam a imprensa para criar notícias que manchavam a sua reputação. O fato é que em nenhum dos julgamentos conseguiram provar cabalmente a participação de Mota Coqueiro no crime, a maioria dos testemunhos não afirmava o fazendeiro como autor do crime, mas sim que ele teria motivos para executar as vítimas.
No fim dos julgamentos em primeira instância, Coqueiro foi condenado à forca. Seus advogados recorreram aos tribunais superiores, porém não conseguiram reverter a sentença. O caso chegou até o conhecimento de Dom Pedro II, que por pressões políticas e por não acreditar na inocência de Coqueiro, confirmou de vez o tenebroso destino do réu.
Após a negação do Imperador, Coqueiro é enviado para uma prisão no Rio de Janeiro, onde passa por um tratamento para se fortalecer fisicamente, o procedimento fazia parte da preparação do condenado para a forca, no dia da execução o réu deveria estar forte o suficiente para caminhar até o patíbulo, ouvir a sentença final, e dar as ultimas palavras.
Até o final, Mota Coqueiro negou a autoria do crime. Embora se possa duvidar de sua inocência, é fato histórico notório que ele não recebeu um julgamento justo, nem foram feitas investigações detalhadas e imparciais sobre os eventos.
No dia 6 de março de 1855, três anos após o crime, a Fera de Macabu é enforcada. Antes de morrer, suas últimas palavras serviram para amaldiçoar a cidade:
“Que esse lugar tenha 100 anos de atraso para pagar tudo que fizeram pra mim.” A Frase ficou conhecida como a maldição do Mata Coqueiro.
Há um debate muito grande em relação ao fim da pena de morte no Brasil e se o fato realmente fez cessar esse tipo de castigo em território nacional. A verdade é que Dom Pedro II se arrependeu imensamente de não ter dado a graça ao prisioneiro e passou a ser mais flexível em conceder graça e mais avesso à aplicação da pena capital, além do mais, o Imperador era fã do escritor Victor Hugo, um dos maiores militantes contra a pena de morte na França.
Após a repercussão da morte de Mata Coqueiro e seus supostos cúmplices, apenas alguns outros civis foram executados, a totalidade deles formada por escravizados ou negros alforriados que não tinham posses nem dinheiro para garantir que sua defesa chegasse até o Imperador.