“Não tem racismo em nosso país”: o que é o mito da democracia racial
Durante muitos anos, o governo brasileiro e parte da sociedade tentou encampar a tese de que em nosso país o racismo não existe.
Mas de onde veio essa tese? Por que foi tão repetida?
No final do século XIX, o governo brasileiro adotou a pseudociência eugenista, que pregava que o ser humano era dividido em raças e que cada uma delas fazia com que os indivíduos pertencentes a elas tivessem características determinantes. Por exemplo, dizia-se que o negro era mais propenso ao trabalho pesado, à criminalidade, enquanto o branco tinha propensão maior ao trabalho intelectual, aos cargos de alto escalão. Junto a isso, acreditava-se que quanto mais a sociedade fosse miscigenada, maior a sua dificuldade de desenvolvimento econômico, já que a mistura de raças deixava as características necessárias para o progresso mais lentas.
Foi somente a partir de uma importante obra, escrita pelo pernambucano Gilberto Freyre, chamada “Casa Grande e Senzala”, que foi possível convencer a comunidade acadêmica que a miscigenação não era algo ruim. No clássico livro, Freyre explica que o Brasil, dentro dos engenhos, constituiu relações saudáveis entre brancos e negros, diferente dos Estados Unidos.
A visão otimista do antropólogo que dizia que negras amamentavam brancos, que o filho preto convivia com o branco sem conflitos violentos, criou um ambiente propício para a instrumentalização do trabalho do autor por governantes, especialmente Getúlio Vargas que, durante a Ditadura do Estado Novo (1937 a 1945), tentou criar um sentimento nacional a partir de uma mescla entre as culturas afro e europeias, colocando o Brasil como um comitê central da miscigenação no mundo, adocicando ainda mais a ideia de que o racismo no Brasil não existia. Foi nesse período que a feijoada, por exemplo, começou a ser usada como prato típico nacional e o samba ganhou uma repercussão maior, como herança do povo afro.
Essa noção, ajudou a construir o mito da “democracia racial” que ficou vivo durante anos e ainda povoa a cabeça de muitas pessoas em nosso país.
No início dos anos 60, o sociólogo Florestan Fernandes passa a pesquisar sobre as populações negras brasileira. Em 1964, lança a maravilhosa obra “A integração do negro na sociedade de classes” poucos meses antes do golpe militar que o tiraria do país. Nesse clássico, Florestan prova através de estatísticas e do percurso da população negra brasileira que o racismo em nosso país passou pela exclusão histórica dessas populações à economia formal. O negro era mais pobre, mais excluído, morria mais e era mais preso. A rede do autor trouxe a discussão do racismo novamente à tona com muita força.
Abalando a tese de democracia racial, um grande professor e antropólogo congolês chamado Kabengele Munanga, veio ao Brasil para realizar uma pesquisa sobre a tal da “democracia racial” que os militares pregavam a torto e direito pelo mundo.
Munanga desembarcou em Salvador, cidade mais negra do mundo fora da África. Lá, no aeroporto, notou prontamente que o faxineiro era negro, enquanto o piloto de avião, as comissárias e praticamente todos os passageiros eram de cor branca.
Assustado, Kabengele inicia seus trabalhos no país a partir dessa primeira visão empírica. A obra do autor, formada por um conjunto de livros, criou a tese do “racismo velado”, ou seja, o racismo no Brasil é tanto e tão implícito, que a maior parte das pessoas acredita que não está cometendo um ato racista. No Brasil, o racismo fica aparente nas brincadeiras, na exclusão tácita, que nega estar excluindo pela cor. Nos espancamentos em supermercados, nas mortes da favela, nos serviços públicos de péssima qualidade relegados à população negra.
As redes deram um novo fôlego ao movimento negro e suas reivindicações. O racismo no Brasil estava finalmente interpretado.
Uma pesquisa da Folha de São Paulo, realizada em 1995, revelou que 89% dos brasileiros não se achavam racistas. No entanto, 87% revelaram preconceito racial quando concordaram com questões de conteúdo racista. A tese da democracia racial veio abaixo e os escritos de Munanga fizeram todo o sentido na realidade: o brasileiro não se acha racista, mas acha que o outro é.
O crime perfeito, pois há o crime, mas não se encontra o autor.
Durante anos, o mito da democracia racial foi usado por governos, professores e influenciadores da opinião pública, justamente para minimizar e negar um terrível mal que assola o nosso país desde o início da colonização: a desigualdade entre as raças e a exclusão do negro no processo de divisão de riqueza no Brasil.
Referências:
FREYRE, Gilberto. “Casa Grande & Senzala”. São Paulo: Global Editora, 2006.
FERNANDES, Florestan. “A integração do negro na sociedade de classes”. São Paulo: Biblioteca Azul, 2008.
MUNANGA, Kabengele. “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil”. São Paulo: Autêntica, 2019.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições
e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993
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