O injustificável falso argumento do racismo reverso
O racismo baseia-se na ideia de que há uma hierarquia entre os grupos humanos. A partir dessa ideologia, o grupo que se julga superior subjuga aquele que considera inferior, segundo Lia Vainer Schucman, “é uma forma de legitimar as estruturas sociais de poder”.
De acordo com Ta-Nehise Coates, “o racismo é uma experiência visceral, que desaloja cérebros, bloqueia linhas aéreas, esgarça músculos, extrai órgãos, fratura ossos, quebra dentes. Você não pode deixar de olhar para isso, jamais. Deve sempre se lembrar de que a sociologia, a história, a economia, os gráficos, as tabelas, as regressões, tudo isso acabará atingindo, com grande violência, o corpo”. É essa violência que atinge o corpo que há séculos extermina negros no Brasil, reservando-lhes sempre os piores lugares em nossa sociedade.
O nosso passado escravagista deixou fortes raízes em nossa estrutura social e, mesmo com a força do mito de que vivemos em uma democracia racial, diariamente temos provas de que esse mito é uma grande falácia e de que a cor da pele torna o negro um grande alvo.
Falar em racismo reverso é ignorar a própria definição do que seja racismo, já que pretos, pardos e indígenas nunca ocuparam em nosso país uma posição de superioridade em relação ao branco, sendo, portanto, totalmente descabido afirmar que o branco seja vítima de racismo.
Em nossa história, não temos casos de pessoas brancas que tenham sido discriminadas por causa da cor de sua pele. Não há relatos de pessoas brancas que tenham sido impedidas de entrar em restaurantes, clubes ou qualquer outro espaço em função de sua cor. Não temos histórico de pessoas brancas que foram consideradas suspeitas pela polícia por serem brancas demais. Não temos registros de religiões de matriz europeia que foram perseguidas ou tiveram seus templos depredados por serem religiões de branco. Enfim, a lista de situações que evidenciam o racismo praticado contra negro é bem longa e não há situações similares que nos permitam dizer que há um racismo contra brancos, já que, em momento algum de nossa história, a população negra ou indígena ocupou uma posição que lhe permitisse impor os seus valores culturais e religiosos à população branca.
No Brasil, a Lei nº 7.716/1989 define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Além disso, temos o Estatuto da Igualdade Racial, previsto na Lei nº 12.288/2010. De acordo com a Lei nº 7.716/1989, o racismo é um crime inafiançável e imprescritível e prevê até cinco anos de reclusão. A existência da lei, no entanto, não é suficiente para inibir os crimes de racismo, pois diariamente vemos casos estampados nos jornais e nas redes sociais.
Quando consideramos que o racismo está calcado em relações de poder, se torna evidente que não faz sentido falar em racismo reverso, já que os negros nunca possuíram poder institucional para serem racistas. Embora 51% da população brasileira seja negra, o número de negros que ocupam cargos que sejam considerados de destaque é muito baixo, basta olhar quantos médicos, advogados, engenheiros, juízes, deputados, senadores, apresentadores negros já vimos em nosso país.
Além da escravidão, que usurpou todos os direitos da população negra, a opressão e a violência permanecem até os dias de hoje. Enquanto os brancos ocupam os lugares socialmente prestigiados, os negros estão nas escalas mais baixas da sociedade e sofrem preconceito mesmo quando conseguem ocupar os postos que sempre lhes foram negados. Não temos em nenhuma esfera social uma supremacia negra em relação aos brancos, não havendo, desse modo, a possibilidade de existir o racismo reverso.
Se o racismo está calcado na hierarquização social baseada na noção de superioridade racial, não há como um grupo considerado subalterno ocupar o topo da hierarquia e exercer uma posição racista. Os brancos nunca foram dominados por negros ou indígenas no Brasil.
O racismo acontece através da reprodução e da perpetuação de estruturas de poder cristalizadas na sociedade. Se os negros e indígenas nunca ocuparam uma posição que lhes garantisse esse poder, como podemos dizer que esses grupos podem ter usufruído de benefícios materiais e simbólicos em função do grupo étnico-racial ao qual pertencem?
Podemos dizer que brancos podem ser vítimas de preconceito e discriminação por parte de negros e indígenas, já que esses dois termos estão ligados às relações individuais, mas o racismo refere-se à estrutura social de dominação. Se negros e indígenas não ocupam uma posição que lhes dê poder econômico, político, jurídico ou social, eles não conseguem ocupar lugares de poder que mudem a estrutura social e lhes permitam se impor como raça superior em relação aos brancos, não sendo possível, portanto, praticarem racismo.
Conforme Talib Kweli, “nenhuma pessoa branca que vive hoje é responsável pela escravidão. Mas todos os brancos vivos hoje colhem os benefícios dela, assim como todos os negros que vivem hoje têm as cicatrizes dela”. Se considerarmos esse fato e o fato de que foram os brancos que criaram as teorias raciais que difundiram a ideia de que há raças superiores e inferiores, torna-se irrefutável que não faz sentido falar em racismo reverso. Essa expressão é só uma forma de tentar justificar o racismo que está tão arraigado em nossa estrutura social que há quem faça uma ginástica terminológica para tentar justificar o injustificável.
Referências:
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SCHUCMAN, Lia Vainer. “É racismo quando um negro discrimina um branco apenas por ter nascido branco?” https://catarinas.info/e-racismo-quando-um-negro-discrimina-um-branco-apenas-por-ter-nascido-branco/?fbclid=IwAR3Cn6Il5N64sFiRaLHiuUF1vN_-yRpVtbycZFZsGovsWqhaWieOG5vecPk