O caso do Césio 137
O acidente radioativo que alterou a história do Brasil
Em setembro de 1987, Wagner Pereira e Roberto Alves entraram em uma clínica abandonada em Goiânia. Sem ter a menor ideia do perigo que corriam, os dois catadores de lixo desmontaram um aparelho de radioterapia que havia sido deixado no local e venderam suas peças para Devair Alves Ferreira, que era dono de um ferro-velho na cidade.
Nenhum deles sabia o que havia dentro daquela máquina. Seu Devair desmontou as peças que comprara e encontrou um pó branco que brilhava no escuro, exibindo uma bela coloração azul. Sem saber que estava diante de cloreto de césio-137 (CsCl), ele levou o produto para mostrar para seus amigos e familiares. Encantadas com a novidade, diversas pessoas passaram a frequentar a casa de Devair e se maravilhar com o “pó mágico”.
Ivo, irmão do dono do ferro-velho, levou um pouco da substância para casa e sua filha, Leide das Neves, na época com 6 anos, chegou a ingerir o pó misturado com o que comia.
Quatro dias depois, o material radioativo já estava espalhado pela cidade e seus efeitos começaram a se manifestar. Muitas pessoas passaram a buscar atendimento em hospitais e farmácias. No entanto, como ninguém sabia as causas do mal-estar, elas acabavam sendo medicadas e liberadas.
Suspeitando de que havia algo errado com aquele pó, Maria Gabriela Ferreira, esposa de Devair, levou o cilindro onde ele estava até a sede da Vigilância Sanitária.
No dia 29 de setembro, as autoridades finalmente tomaram conhecimento do desastre radioativo que se espalhava por Goiânia. Após constatar do que se tratava o material que estava provocando a contaminação em tantas pessoas, o físico Walter Mendes Ferreira informou a Comissão Brasileira de Energia Nuclear (CNEN).
Na casa de seu Ivo, eles verificaram que Leide tinha se tornado uma fonte ambulante de material radioativo e determinaram a evacuação de sete pontos de Goiânia, colocando cerca de 112 mil pessoas em quarentena.
O governo goiano tentou esconder o incidente, mas logo o fato ganhou as páginas dos jornais.
6.000 toneladas de material contaminado foram enterradas em um centro especialmente preparado para isso no município de Abadia de Goiás. O ferro-velho e várias casas ao seu redor foram demolidos. Centenas de objetos, eletrodomésticos e até mesmo veículos foram descartados como lixo nuclear.
E o desastre não parou por aí. O césio-137 começou a fazer as suas vítimas fatais. A primeira delas foi a pequena Leide. A menina morreu em 23 de outubro de 1987 e acabou se tornando o símbolo da tragédia. A esposa de seu Devair também morreu no mesmo dia. Logo depois, dois funcionários do ferro-velho perderam suas vidas por causa da contaminação.
Muitos sobreviventes passaram a enfrentar graves problemas de saúde e o caso de Goiânia ficou conhecido como o segundo maior acidente radioativo da história. O primeiro deles aconteceu na Ucrânia, na usina nuclear de Chernobyl, em 1986.
No ano de 1996, cinco pessoas ligadas à clínica onde o material radioativo havia sido abandonado foram condenadas a três anos e dois meses de prisão. Entretanto, cumpriram sua pena através de serviços comunitários.
O governo começou a pagar pensão vitalícia para cerca de 250 pessoas e, posteriormente, estendeu o benefício a mais duas mil, incluindo bombeiros, motoristas e policiais que trabalharam no atendimento às primeiras pessoas que tiveram contato com o césio-137.
A tragédia marcou a vida de um grande número de moradores de Goiânia, deixando como consequência diversas amputações, tumores e vítimas de câncer, além de muito preconceito daqueles que começaram a tratar os moradores da região como “contaminados” que traziam riscos para qualquer um que com eles tivesse contato.
Referências:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142013000100017
https://www.bbc.com/portuguese/geral-45783343
https://jornal.ufg.br/n/117038-cesio-137-uma-historia-que-vem-sendo-apagada