Crimes

João do Diabo: a história do homem que usou Deus para abusar de mulheres

João Teixeira de Faria, conhecido mundialmente como João de Deus, tornou-se aclamado por seus poderes de cura, recebendo milhares de fiéis na Casa Dom Inácio de Loyola, localizada na cidade de Abadiânia, em Goiás.

Fundada em 1976, a casa montada por João de Deus se tornou conhecida por ser uma instituição sem fins lucrativos, que tinha o objetivo de dar assistência física e espiritual, através de cirurgias espirituais, imposição de mãos, passes, energizações, medicamentos fitoterápicos e água energizada.

Essa imagem de templo espiritual e de lugar de cura, entretanto, passou a ruir quando inúmeras denúncias de abusos sexuais cometidos por João de Deus dentro do local começaram a vir à tona. As denúncias ganharam repercussão em 2018, mas antes disso, outras mulheres já tinham tentado, sem sucesso, expor os abusos sofridos.

Aquele homem visto durante tanto tempo como sinônimo de cura e de esperança, passava a ser mostrado como um abusador, que se aproveitou da fragilidade de suas vítimas e da manipulação da fé para violar mulheres que nele confiaram.

Carta de Chico Xavier a João de Deus

O médium atendia pessoas do mundo inteiro. Era procurado por ministros, juízes, artistas e celebridades. Conhecido como “John of God”, ele era venerado como um deus por muitas pessoas e se valeu da confiança que depositaram em seus poderes para estuprar mulheres e forçá-las a acreditarem que aquilo fazia parte do processo de cura.

Ele chegava a atender 20 mil pessoas por mês e, embora não cobrasse pelas consultas, seu negócio movimentava muito dinheiro, permitindo que construísse um verdadeiro império, com 90 propriedades e milhões de reais em contas bancárias.

João de Deus foi condenado pelo estupro de cinco mulheres, violação sexual mediante fraude contra duas mulheres, estupro de vulnerável contra outras duas e porte ilegal de armas. As denúncias indicam, porém, que o número de mulheres abusadas por ele é muito maior.

O caso ganhou repercussão quando 13 mulheres relataram, no programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, os abusos sofridos dentro da Casa mantida por João de Deus. Desde a década de 1980, denúncias já tinham sido feitas, mas as investigações não avançaram e muitas mulheres foram desencorajadas de seguirem com as denúncias.

O médium alegava que os atos faziam parte da purificação, que era necessário fazer o que ele pedia para que a vítima alcançasse a sua cura ou a de um parente. Sem a colaboração da mulher, não seria possível alcançar o efeito desejado. Se algo desse errado, a culpa seria exclusivamente da mulher que não seguiu o ritual determinado por João de Deus. Assim, manipulando a fé alheia, valendo-se do caráter divino que lhe atribuíam, ele estuprava mulheres e seguia cometendo abusos diários sob a alegação de que isso era necessário para que a cura fosse alcançada.

Como lutar contra um homem que era tratado como um verdadeiro deus? Como provar que em um lugar considerado santificado, marcado pelo espírito da caridade, do amor e da fé, abusos eram cometidos diariamente sem que a vítima pudesse se defender? Esse foi o desafio das muitas mulheres violadas por João de Deus. Tomadas pelo medo, pela culpa e pelo descrédito que sempre aparece em situações de abuso sexual, muitas mulheres se calaram, guardando apenas para si a dor provocada pelo abusador. Esse cenário mudou quando as acusações começaram a se tornar maiores. Um post de uma holandesa estuprada por ele viralizou no Facebook, a matéria exibida no “Programa do Bial” e depois uma reportagem publicada no jornal “O Globo” tiveram grande repercussão e acabaram encorajando outras vítimas a denunciarem também.

Para justificar os estupros, João de Deus dizia que a energia sexual era uma energia de cura, era essa energia que salvaria a vida da vítima ou de alguém que ela amava. Como não acreditar? Como dizer que o homem que trazia esperança para tanta gente era um estuprador, manipulador da fé alheia? Como lidar com o medo, a dor, o nojo que os abusos provocavam? Como escapar da rede tecida por um homem que era visto como santo e que se valia disso para estuprar mulheres no momento de maior fragilidade de suas vidas?

Ele agiu da mesma forma com centenas de mulheres, tendo seu nome envolvido em um dos maiores escândalos sexuais do Brasil. De acordo com o Ministério Público, 319 mulheres procuraram a Promotoria para fazer denúncias sobre os abusos sofridos. Ao longo de 45 anos, João de Deus manipulou a fé de mulheres e as violentou como se estivesse fazendo algo completamente normal dentro dos rituais espirituais que conduzia.

O médium foi preso em 16 de dezembro de 2018 e condenado a 65 anos de prisão, 59 em regime fechado. Durante a pandemia, passou a cumprir prisão domiciliar, mas voltou ao regime fechado em agosto de 2021, pois a Justiça considerou que as vítimas se sentiam muito inseguras com a prisão domiciliar de seu abusador.

Para muitas de suas vítimas, vê-lo em casa era sofrer um novo abuso, agora cometido pelo Estado, que permitiu a um estuprador o direito da prisão domiciliar, sem considerar a dor que acompanhará as vítimas pelo resto de suas vidas.

Referências:

FELITTI, Chico. “A Casa – A História da Seita de João de Deus”. São Paulo: Todavia, 2020.

https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/a-verdade-por-tras-das-cirurgias-espirituais-de-joao-de-deus/

Dibo, M. QUEM É JOÃO DE DEUS “JOHN OF GOD”?. Último Andar, (22), 63–82, 2013. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/ultimoandar/article/view/16971

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/12/07/Como-est%C3%A1-o-caso-Jo%C3%A3o-de-Deus-dois-anos-depois-das-den%C3%BAncias

https://oglobo.globo.com/brasil/direitos-humanos/sabiam-que-ele-estuprava-mas-nao-achavam-isso-tao-grave-diz-autora-de-livro-sobre-joao-de-deus-25231440

Please follow and like us: