Curiosidades

O limite do sensacionalismo: o caso da humilhação de Latininho e a briga por audiência nos anos 90

Até onde vai a apelação pela audiência? Em que momento a ética e a moral são deixadas de lado em busca de pontos no IBOPE?

Uma das brigas por audiência mais famosas da história da TV brasileira, ocorreu durante os anos 90. Na época, a Rede Globo era o maior e mais assistido canal de televisão, inclusive, com muita vantagem, em termos de audiência, em relação a outras emissoras.

Foi quando o SBT, através do programa de auditório “Domingo Legal”, passou a rivalizar com a emissora gigante aos domingos. O Domingo Legal, conduzido por Gugu Liberato, disputava ponto a ponto com o Domingão do Faustão, apresentado por Fausto Silva. As duas atrações dividiam apenas 40 minutos do espaço televisivo, porém a concorrência entre elas era acirrada.

Em meados da década, essa disputa estava tão intensa que a Rede Globo começou a perder patrocinadores para o programa do SBT.

Usando os pontos do IBOPE como combustível, uma guerra se instalou entre as duas atrações e as principais armas usadas pelos dois apresentadores foram as matérias e atrações sensacionalistas. Na época, Gugu Liberato anunciou que levaria um lobisomem de verdade ao palco do programa, mas, na verdade, Gugu convidou jovens mexicanos que sofriam de uma doença chamada Hipertricose, uma das consequências da patologia é o crescimento excessivos de pelos em toda a face. O apresentador, então, vendeu a atração como se os jovens fossem lobisomens latinos. O conteúdo apelativo colou e o Domingo Legal avançou vários pontos no conflito.

SBTpedia: O Dia na História (25/08/1996): Menino-Lobisomem do México, Jesús  Aceves é atração no Domingo Legal, do SBT
Gugu entrevista o suposto “lobisomem”

Após a vitória do apresentador do SBT, o Domingão do Faustão resolveu levar ao programa  o jovem Rafael Pereira dos Santos, de 15 anos de idade. Rafael era imitador de Latino, cantor que fazia muito sucesso no período.  O garoto, entretanto, era portador de uma rara doença chamada síndrome de Seckel — um distúrbio que causa em seus portadores microcefalia, nanismo, deformações faciais e deficiência intelectual, o famoso atraso cognitivo.

Rafael tinha apenas 87 centímetros de altura, o que contrastava muito fortemente com o apresentador de quase 1 metro e 90. O garoto foi colocado para cantar a música de Latino, enquanto Faustão fazia gracinhas. Não bastando essa execração pública, um grupo de humor conhecido como “Café com Bobagem” foi levado ao programa para fazer piadas com o Latininho.

O vídeo do Latininho no Domingão do Faustão • Teleguiado
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A bizarra atração deu um excelente resultado na audiência, fazendo com que o programa marcasse 30 pontos durante o tempo em que Latininho foi humilhado em frente às câmeras.

Na segunda-feira, a mídia impressa apareceu tomada de críticas à equipe do Domingão. Publicações da Veja e da Folha trouxeram depoimentos de pessoas que ficaram horrorizadas com a perversidades dos produtores globais, que humilharam alguém que sofria de uma terrível doença e usaram isso para conseguir audiência.

Latininho e lobisomem mexicano: dois clássicos do mau gosto na televisão  brasileira - TV História
Capa da Matéria da Veja – “Mundo Cão na TV” – Até onde vai a apelação. A publicação fazia duras críticas à atração apresentada por Fausto Silva
Pai de Rafael fala para a Revista Veja

A repercussão negativa obrigou Fausto Silva e Carlos Manga, diretor geral do programa, a se desculparem pelo que havia ocorrido. Manga também se reuniu com o SBT e propôs um acordo ético para que os dois canais nunca mais usassem a desgraça humana para conseguirem audiência. Os executivos do canal de Silvio Santos não toparam. A resposta do diretor executivo foi: “ Imagina, Já fui censurado pelo regime militar. Só me faltava agora ser censurado pela Globo”.

E a guerra continuou, mas com tons mais amenos, pois o episódio realmente marcou para sempre a história da guerra de audiência dos anos 90.

Vitrine Capixaba: 1996. Rafael Pereira dos Santos, de Colatina, foi  destaque na Imprensa por ter doença rara, SECKEL. Manchete. RJ Biblioteca  Nacional
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