A disputa das almas: a ascensão do neopentecostalismo e a gradual substituição das funções do Estado ao longo dos anos 90 e 2000
O neopentecostalismo é um seguimento cristão que ascendeu socialmente durante os anos 70 e 80. A doutrina, em muitas das instituições desse movimento, é inspirada na “prosperidade” pela fé.
Acredita-se que homens e mulheres que creem, congregam, oram e seguem os ensinamentos de Deus, guiados pela fé, prosperam não apenas financeiramente, mas nos mais variados aspectos da vida social.
No Brasil, essas denominações passaram a ganhar espaço nos anos 80, sobretudo nas periferias, em um período conhecido pelos economistas como Década Perdida. Em meio à poderosa crise que assolava o país, denominações como a Igreja Universal do Reino de Deus traziam alento existencial para as pessoas que lá congregavam.
Com o início dos anos 90 e a implantação de políticas neoliberais, que diminuem as funções do Estado, as igrejas evangélicas, sobretudo neopentecostais, passaram a criar uma rede de proteção e contatos entre seus membros.
Os rituais das igrejas, com orações, exorcismos, pregação em línguas, guardam um sincretismo com religiões africanas e criam um sentimento de grupo ao operar os “milagres”.
Ao longo dos anos, as igrejas neopentecostais foram criando redes de proteção familiar, como mutirões, distribuição de cestas básicas, agenciamento de empregos, investimento em negócios de seus membros, colocando em prática a famosa prosperidade pregada no púlpito.
Nas periferias do país, onde o Estado nunca foi presente, muitas vezes, é o pastor que tira o jovem do tráfico de drogas, que consegue negociar a saída dele da vida do crime. É ele também quem faz o trabalho nas prisões, ressocializando o preso que o Estado largou ao léu em suas dependências.
A partir das “comunidades terapêuticas”, locais reservados pelas instituições para, através do trabalho de conversão, internar e tratar dependentes químicos, que não tiveram outra opção de tratamento, as igrejas passam a aumentar o seu rebanho e, a cada vez mais, aumentar o efetivo de seus membros.
Esses trabalhos, essa rede de contatos, a prosperidade que as instituições trazem à vida de famílias pobres, se convertem em oferta, dízimos, trabalho em obras e, na segunda década do século XXI, se convertem também em força política importante no país. Atualmente, o Brasil tem caminhado para uma maioria da população de evangélicos, sobretudo neopentecostais.
As igrejas, historicamente, foram garantindo sua importância central na vida do brasileiro a partir da centralização de ajuda social, rede de proteção e contatos, cujos resultados são perceptíveis pelo rápido crescimento dessas instituições religiosas por todo o país. Afinal, para montar um desses templos de fé, não é preciso muita coisa, basta um espaço onde se possam colocar cadeiras e um pastor que possa conduzir os cultos e arrebanhar os fiéis.
Uma pesquisa do Datafolha de 2019 mostra que 58% da população evangélica é formada por mulheres, dessas, 59% são pretas e pardas.
São as mães dos negros que são presos ou mortos todos os dias em nosso país. Na pirâmide econômica, a mulher negra é a mais desassistida pelo Estado. Em movimento contrário, ela passa a ser a mais assistida pelas igrejas neopentecostais.
Além de todos esses aspectos, as igrejas neopentecostais têm continuado o processo de alfabetização de seus fiéis, ensinando seus membros através da leitura guiada da bíblia e, mais uma vez, atuando em um serviço no qual o Estado falhou.
Essas igrejas exercem ainda, uma grande influência na valorização do matrimônio e na manutenção da família, defendendo uma concepção familiar pautada na doutrina religiosa, a qual, muitas vezes, define até mesmo o início e o fim do casamento, o que mostra como, em alguns casos, a religião exerce um domínio sobre o corpo e a alma de seus seguidores.
O movimento neopentecostal talvez seja o fenômeno social que mais se destacou no nosso país nos últimos 30 anos.
E, com certeza, terá ainda mais destaque nos próximos 30.Entender esse fenômeno é compreender o país e o destino que ele vem trilhando.
O neopentecostalismo, hoje, é o motor e guia de uma marcha, a qual além de criar em seus membros um sentimento de grupo, mostra, a partir da confluência de vários serviços sociais, que o caminho para Jesus passa por sua chancela. Em um país religioso como o Brasil, isso é poder. Muito poder.
E poder é prosperidade.
Foto: a fotografia mostra a primeira igreja Universal do Reino de Deus. Em um espaço pequeno, o homem com o microfone na mão fala para pessoas, maioria delas mulheres. Esse homem é Edir Macedo, hoje instalado no Tempo de Salomão , um local que tem o tamanho de vários campos de futebol.