A vida Imita a Arte: A trágica história do protagonista do filme “Pixote”
Fernando Ramos da Silva, que teve sua trajetória bem próxima da realidade que o longa metragem construiu
A imitação da arte pela vida na triste história de “Pixote”
Fernando Ramos da Silva nasceu em uma família pobre na periferia de Diadema, cidade localizada na grande São Paulo. Sem dinheiro e filho de uma família com muitos irmãos, era mais um pequeno brasileiro que não conseguia alcançar a cidadania e a dignidade. Fernando nasceu em 1967, passou fome quando pequeno e viveu em uma miserável favela até ser encontrado por Hector Babenco, que procurava um ator para seu novo projeto, o filme “Pixote – A lei do mais fraco”, obra adaptada do livro “A Infância dos Mortos”, de José Louzeiro.
Fernando foi escolhido para ser protagonista na obra. Segundo Babenco, ele tinha uma cara triste, inocente, de alguém que aparentava necessitar de cuidados, características perfeitas para o papel.
O longa conta a história de um garoto pobre, em uma família desestruturada que, após iniciar a vida no crime, passa por vários reformatórios, até se transformar em um garoto de rua e participar de um grupo delinquente. O filme foi muito elogiado, sucesso de público e chegou a ser indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. Uma das cenas mais impressionantes ao longo da projeção é a releitura da obra Pietá, de Michelangelo, através de Pixote e da prostituta Sueli, uma figura materna no crime, interpretada brilhantemente por Marília Pêra.
Após o sucesso do filme, Fernando Ramos fez pequenas participações em filmes e novelas, como “Eles não usam Black Tie” e “Gabriela Cravo e Canela”, mas sua vida estaria mais ligada ao personagem Pixote do que ele poderia imaginar. Após dois anos da estreia que o alçou como astro, sem conseguir emprego na área, ele tentou, com a ajuda de José Louzeiro, um papel em uma novela global de sucesso, o ator até conseguiu o papel, mas como era semialfabetizado, tinha sérias dificuldades para decorar falas e logo foi demitido.
Voltando a morar com sua família no grande ABC e sem perspectiva de emprego, o ator se envolve no mundo do crime e passa a cometer assaltos, ele é preso por duas vezes e percebe que tanto a polícia quanto o resto da sociedade não conseguiam separar o Fernando do Pixote, essa mistura entre personagem e pessoa acompanhou o ator até seu trágico fim, quando foi morto a tiros pela polícia militar em São Bernardo do Campo. Oficialmente, os policiais disseram que a morte foi resultado de uma troca de tiros durante uma perseguição após um assalto. Porém, na perícia, foram identificados que 8 disparos atingiram Fernando, cinco à queima roupa e três nos antebraços, evidenciando que a vítima se encontrava em posição de defesa. A versão da instituição policial foi questionada pela família, que segue com processo na justiça, três décadas após o ocorrido.
Morto e capa do Notícias Populares, o intérprete de Pixote não conseguiu escapar do destino do personagem que interpretou. Seu filho e esposa diziam que a polícia e a sociedade não conseguiam distinguir Fernando do personagem, criando um estigma sobre suas ações e sua vida.
Anos após sua morte, o filme “Quem matou Pixote” foi realizado, contando sua trajetória depois do sucesso do filme
“Pixote”. A trágica história de Fernando, tão próxima daquela presente no filme que ele interpretou, infelizmente, é comum na vida de muitas crianças brasileiras, vítimas da miséria e do abandono. Na ficção, podemos citar “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, que tão bem explora a trajetória da marginalização da infância no Brasil. Na música, “Pivete”, de Chico Buarque, traça um retrato de um menino que tenta sobreviver em meio ao abandono. Na vida real, inúmeras são as crianças que têm a vida marcada pelo abandono, pela violência, pelos maus-tratos e cujo fim, na maior parte das vezes, é trágico como o de Fernando Ramos da Silva.