As mulheres e o crime: o papel feminino no PCC
Desde que foi fundado, o PCC tem crescido cada dia mais e se consolidado como uma das principais facções criminosas do país. Criado e liderado por homens, são eles que ocupam papéis de destaque dentro da facção e organizam toda a sua hierarquia. Isso não quer dizer, porém, que as mulheres não desempenhem funções importantes dentro do grupo.
Como mostra Josmar Jozino em seu livro “Cobras e lagartos”, as esposas dos detentos são os olhos e as vozes desses homens fora da prisão. Cabe a elas mediar o compartilhamento de informações. São elas que levam e trazem as mensagens para que os planos de seus parceiros sejam colocados em prática.
Funcionando como uma ponte entre o cárcere e o mundo fora do presídio, essas mulheres são mais que mensageiras, elas são fundamentais para toda a logística da facção.
Além disso, as esposas dos líderes são responsáveis pela administração de contas bancárias, atuando como tesoureiras da organização criminosa.
Há, ainda, casos em que os detentos não querem envolver as suas famílias no mundo do crime e contratam mulheres que se passam por namoradas ou amantes para visitá-los semanalmente no presídio e levar-lhes as informações de que necessitam.
Embora circule a informação de que há uma vertente feminina do PCC, chamado Comando Feminino, dentro da organização da facção, a atuação de mulheres nos presídios femininos é bem menor que a dos homens, funcionando apenas como uma pequena filial da organização criminosa.
Há quem diga que o envolvimento das mulheres com o PCC esteja apenas ligado à ideia de “amor bandido”. A relação entre o grupo criminoso e as mulheres, porém, é bem mais complexa. Muitas mulheres atuam para o grupo como prestadoras de serviço e são remuneradas para isso, outras, assumem as atividades que seus maridos ou namorados lhes pedem, apoiando o companheiro encarcerado e exercendo liderança do lado de fora do presídio.
Nos primeiros anos da facção, as mulheres, chamadas de “primeiras-damas”, operavam “centrais telefônicas”, que permitiam que os líderes pudessem se comunicar com os membros que estavam em liberdade. Em uma época em que os celulares ainda não estavam disseminados dentro do sistema carcerário, eram essas centrais telefônicas que transmitiam as mensagens e permitiam que as ações do grupo fossem colocadas em prática.
Em 2001, quando rebeliões eclodiram simultaneamente em 29 presídios do estado de São Paulo, a atuação dessas mulheres foi fundamental. Foi graças ao trabalho delas nas centrais telefônicas que a ordem para as rebeliões se espalhou tão rápido e mostrou o poder da facção.
Apesar do papel importante, as mulheres não ocupam posições de liderança dentro do PCC, pois o grupo reproduz a visão de que cabe ao homem o poder e a liderança. Elas assumem responsabilidades e obrigações em função do relacionamento que mantêm com o detento e é por causa desse relacionamento familiar ou amoroso que passam a desempenhar determinadas funções para o grupo.
Visitar o detento, levar comida, cigarro e itens de higiene, fazer a articulação com as outras parceiras dos líderes e com os advogados, brigar pelos direitos dos detentos, organizar grupos de apoio e comissões, organizar o transporte das famílias dos membros da facção e acertar os pagamentos de seus advogados de defesa são algumas das tarefas que elas desempenham para seus companheiros, estando intimamente ligadas aos rumos que o PCC foi tomando ao longo da sua existência. O contato com toda a estrutura da organização e o vínculo afetivo que muitas dessas mulheres mantêm com os principais líderes da facção deu-lhes destaque dentro da organização e fez com que elas alçassem postos importantes dentro da organização criminosa. Além disso, ao estabelecer contato direto com o mundo do crime, algumas delas se tornaram “damas do crime” e passaram a comandar o tráfico de drogas e a praticar homicídios, assumindo posições que, inicialmente, eram apenas masculinas.
Referências:
Jozino, Josmar. Cobras e lagartos: a vida íntima e perversa nas prisões brasileiras. Quem manda e quem obedece no partido do crime. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
FELTRAN, Gabriel de Santis. Irmãos: uma história do PCC. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
LIMA, Jacqueline Ferraz. Mulher Fiel: Etnografia do Amor nas Prisões do PCC. São Paulo: Alameda Editorial, 2015.