Como foi o insólito e triste Natal de 1918, durante o auge da Gripe Espanhola
Conforme uma tradição bretã, em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, era comum decorar a porta das casas com visco e, quando um casal passava debaixo da planta, ele deveria trocar um beijo. Considerada símbolo de paz e fertilidade, a plantinha marca as tradições natalinas de alguns países e pode representar a promessa de amor eterno, simbolizar a amizade ou afastar os males da vida daqueles que se beijam sob ela.
No Natal de 1918, entretanto, a tradição foi tratada como uma ameaça à saúde. Um anúncio do jornal Ohio State Journal, publicado em 21 de dezembro de 1918, alertava: “Cuidado com o visco”. Grande parte do mundo enfrentava a gripe espanhola e o distanciamento físico era uma das medidas tomadas para que a doença não se propagasse ainda mais.
A propaganda alertava ainda: “Você vai demonstrar melhor seu amor por seu pai, mãe, irmão ou irmã e o resto da sua família permanecendo em sua própria casa, em vez de fazer as visitas anuais de Natal, realizar reuniões familiares e festas em geral”. Aquele foi um Natal diferente, ao mesmo tempo em que tinha sido extremamente esperado, já que os jovens soldados começavam a retornar das trincheiras da Primeira Guerra Mundial, o medo da doença e as mortes que cresciam assustadoramente, exigiam que as pessoas deixassem as tradições natalinas de lado e se mantivessem mais recolhidas, distante de aglomerações e sem trocar beijos e abraços.
Cerimônias religiosas foram canceladas, os beijos embaixo do visco foram abandonados e as reuniões familiares tiveram que ser adiadas.
Considerada uma das piores epidemias da história, a gripe espanhola foi marcada por três ondas. As primeiras notícias da doença começaram a sair em jornais espanhóis, daí veio o nome com o qual ela ficou conhecida. Em 1918, no front da Primeira Guerra Mundial, soldados começaram a manifestar sintomas do mal ainda desconhecido. Acredita-se que os primeiros casos aconteceram no Kansas, Estados Unidos, e depois se espalharam pela Europa.
Há controvérsias sobre o número de vítimas, mas estima-se que tenha morrido em torno de 20 milhões de pessoas em todo o mundo. A primeira onda teria durado de março a julho de 1918 e foi mais leve. A segunda onda foi considerada a mais mortal e foi de agosto de 1918 a janeiro de 1919. A terceira onda se estendeu de fevereiro de 1919 ao início de 1920, momento em que a doença foi controlada em alguns lugares, mas ainda mantinha focos de contágio em outros.
O Natal de 1918, portanto, foi marcado pela gripe espanhola e se, num primeiro momento, a doença foi tratada como uma gripe comum, fazendo com que muitas pessoas encarassem com descaso os cuidados recomendados, as mortes começaram a se espalhar rapidamente e já não era mais possível agir como se nada estivesse acontecendo.
A “espanhola” modificava a rotina de grande parte do mundo e as comemorações natalinas também passaram por essa modificação. As medidas sanitárias recomendavam distanciamento, uso de máscaras, fechamento do comércio e proibição de eventos públicos. Além disso, a pilha de corpos aumentava, os doentes viviam uma situação de isolamento, o serviço funerário enfrentava um colapso e era difícil manter um clima festivo em meio a um cenário de catástrofe.
Referências:
Goulart, A. C. “Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro”. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 12(1), 2005. pp. 101-142.
Martino, J. P. “1918 – A gripe espanhola – os dias malditos”. São Paulo: Excalibur., 2017.