“Os Sete de Chicago”: conheça a história e os personagens reais por trás do acontecimento
A plataforma Netflix lançou, no mês de outubro de 2020, o filme “Os Sete de Chicago”. Dirigido por Aaron Sorkin, o longa conta a história de um caso bastante emblemático na história da justiça e sociedade estadunidense no século XX.
Mas o que é real ou licença poética na obra? Como realmente ocorreram esses longos meses de julgamento no coração das lutas por direitos civis e contra a Guerra do Vietnã?
Era 1968, Malcolm X havia sido assassinado. Três anos antes, Martin Luther King também foi morto. O líder democrata mais famoso, Robert Kennedy, teve o crânio estraçalhado por um disparo de rifle.
Os anos 60 ferviam e inúmeros movimentos sociais se organizavam para contestar o sistema vigente e o governo norte-americano que enviava jovens vivos e saudáveis ao Vietnã e os recebia de volta com lesões, deficiências ou em sacos pretos.
No início de setembro desse fatídico ano, ocorreria em Chicago, Ilinois, a Convenção do Partido Democrata. A sociedade civil organizada, por meio de movimentos sociais e instituições estudantis, resolveu protestar contra a Guerra do Vietnã na cidade, durante os dias em que ocorreria o evento. Ao longo daquela semana, festivais de música foram organizados, performances artísticas, manifestações em marcha e uma série de outros protestos. Participaram do evento o MOBE (Comitê Nacional de Mobilização pelo Fim da Guerra no Vietnã), os Yippies (Partido Internacional da Juventude) e a SDS (Estudantes por uma Sociedade Democrática) e representantes do Movimento Partido dos Panteras Negras e Brown Berets (boinas marrons).
No auge das manifestações, após longos discursos e confusões causadas propositalmente pelas forças policiais, o departamento de polícia, dirigido por Richard Daley, colocou uma série de policiais infiltrados no movimento para descobrir seis líderes e processá-los.
Com os distúrbios ocorrendo, 8 pessoas foram acusadas de “Conspiração para desordem”. A promotoria se baseou em uma lei aprovada naquele mesmo ano por senadores conservadores.
Os 7 acusados foram: Abbie Hoffman, Jerry Rubin, David Dellinger, Tom Hayden, Rennie Davis, John Froines e Lee Weiner. Além desses sete homens, Bob Seale, líder fundador do partido dos Panteras Negras, também foi detido após um discurso, pois já estava sendo procurado em Ilinois, acusado do assassinato de um policial, o que, anos depois, foi comprovado tratar-se de uma armação.
O juiz responsável pela ordem do julgamento foi Julius Hoffman, conhecido por ser linha dura e extremamente conservador. O procurador foi Attorney Thomas Foran e o promotor foi Richard Shultz.
Os réus foram acusados dos seguintes crimes:
Uma conspiração dos manifestantes para cruzar as linhas estaduais e incitar distúrbios;
Violações do direito de manifestação contra a polícia;
Violações da rede de TV Federal;
Violações da rede de TV das leis federais de escuta.
Durante 30 meses, o juiz, promotoria, advogados de defesa, população, mídia e movimentos sociais acompanharam e promoveram o julgamento, que tomou ar de perseguição política por parte do Estado norte-americano. Houve uma tentativa de federalização do processo, porém o procurador geral nomeado, Lyndon Johnson, não quis oferecer denúncia, já concordando que a imputação de crime de conspiração não era justa.
O evento ocorreu, mais de 200 testemunhas foram ouvidas. Discursos e protestos foram realizados dentro do tribunal. Bob Seale, por diversas vezes, acusou o juiz e o sistema de justiça americano de racista e anti-esquerda.
Na época, havia um debate e a esquerda seguia três diferentes rumos. Um revolucionário marxista, representado pelo partido dos Panteras Negras, um identitário, ligado ao movimento hippie, o terceiro caracterizava-se pela esquerda democrata, que visava o processo eleitoral. Todos eles estavam representados nesse julgamento.
O advogado da causa, William Kunstler, era um veterano em defesa dos Direitos Humanos, ele mesmo orientou seus clientes a protestarem e realizarem performances no tribunal para desmascararem a armação.
Durante os quase 30 meses de julgamento, os réus cantaram Hare Krishna vestidos de hindus, entoaram hinos racistas e leram poesias de Brecht.
O juiz Hoffman, responsável pelo caso, era o antagonista perfeito. A mídia, na época, criou histórias sobre a falta de sanidade mental do meritíssimo e passou a considerar boa parte do julgamento um teatro de mau gosto promovido com dinheiro público. Apesar de boa parte dos americanos estarem torcendo pela condenação, Bob Seale, o oitavo acusado, foi tratado diversas vezes como um ser inferior, sendo frequentemente ignorado e calado por policiais e oficiais de justiça.
Ao fim, dos sete acusados, 5 foram condenados a 5 anos e 3 meses de prisão, mas tiveram a sentença anulada por um tribunal de segunda instância. Os crimes de desacato, que chegaram a somar duas centenas, foram retirados. Bob Seale teve seu julgamento anulado e foi prestar contas à justiça pelo falso crime do qual era acusado.
A história do julgamento dos sete de Chicago entrou para os anais da justiça americana como uma verdadeira farsa, um teatro, no qual o poder e a mão pesada do Estado foram usados para tentar coibir a liberdade de expressão. Juntos, os réus se uniram e transformaram aquele julgamento em um ato político, combativo e histórico.
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Referências:
https://www.townandcountrymag.com/leisure/arts-and-culture/a34361792/the-trial-of-the-chicago-7-1968-democratic-convention-true-story/
http://www.sixties-photos.com/chicago-democratic-convention-1968
https://www.bbc.com/news/entertainment-arts-54274774
https://www.chicagotribune.com/entertainment/ct-ent-chicago-7-netflix-reality-1968-convention-20201016-55hlt3573zaxvitqhndzowv2se-story.html
https://www.bbc.com/news/entertainment-arts-54274774
https://www.history.com/news/chicago-8-trial-importance