Sacrifício, culpa e morte: a história e últimas cartas dos soldados Kamikazes
Atualmente, o termo Kamikaze é conhecido no ocidente como sinônimo de sacrifício. E realmente a palavra foi imortalizada por uma história interessante e de sacrifícios pró nação japonesa no final da Segunda Guerra Mundial.
O Japão tinha, sob a batuta do Imperador Hirohito, a intenção de expandir seu território. Com um regime pautado no imperialismo e nacionalismo exacerbado, gerações de japoneses foram educados para acreditar na divindade do Imperador e do projeto expansionista nipônico. No princípio da Guerra, o país ganhava inúmeras batalhas no mar por possuir a Mitsubishi A6M Zero, uma aeronave de guerra bastante rápida e com poder de fogo superior à de outros países.
Após o ataque de Pearl Harbor, estopim para o ingresso dos Estados Unidos na Segunda Guerra, o país Yankee intensificou o esforço de guerra para a melhora dos aviões. Em 1943, com a inserção do Radar em porta aviões e o desenvolvimento dos caças Grumman F6F, muito velozes e poderosos, os japoneses passaram a perder muitas aeronaves. O impacto das perdas era grande e rápido, não possibilitando que o exército nipônico conseguisse se recuperar a tempo.
Foi a partir dessas mortais perdas que Takijirō Ōnishi, Vice-Almirante da marinha japonesa colocou em prática a ideia de usar os poucos aviões que sobraram como bombas voadoras lançadas sobre porta aviões inimigos. Os pilotos faziam parte da estratégia e morreriam junto na queda livre da máquina.
Então, em 1944 foi instituída a Tokubetsu Kōgekitai (Unidade de Ataque Especial) também conhecida, posteriormente, como Kamikazes, expressão que significava “vento divino”.
Os pilotos eram geralmente jovens convocados em Universidades e no interior do país. Os membros das forças armadas, responsáveis pelo recrutamento, desenvolveram técnicas para convencer os voluntários a se matar pelo país, eles criavam culpa nos possíveis “voluntários”, dizendo que muita gente havia morrido e eles ficaram ali, trabalhando ou estudando, enquanto outros se sacrificavam pelo Imperador. Ao invadir o psicológico dos candidatos, exigiam a cota de sacrifício deles.
Muitos dos Kamikazes foram recrutados dessa forma. Após convencidos, passavam por um treinamento que envolvia humilhações e torturas, visando desumanizá-los para que não hesitassem no momento do sacrifício.
O esquadrão especial Kamikaze era uma espécie de arma. As operações suicidas eram realizadas por pelo menos cinco pessoas, o Kamikaze e outros quatro pilotos mais experientes, que iam em outras aeronaves fazendo a escolta para que o soldado suicida pudesse jogar seu avião contra os navios do inimigo. A aeronave era jogada quase em ângulo de 90 graus, para evitar que após os tiros o avião mudasse a rota. Cada Kamikaze recebia uma dose de saquê, uma pistola e cápsulas de venenos. Eles poderiam enviar uma carta final para a casa, em todas elas os homens falam de morte e honra, já que a morte era uma forma de honrar os seus nomes e era vista como uma herança dos samurais.
Caso não conseguissem lograr êxito, eles deveriam pôr fim à própria vida. Estima-se que mais de 5 mil ataques de Kamikazes foram realizados até o fim da guerra em 1945 e cerca de 50 navios foram afundados.
Abaixo deixaremos algumas cartas enviadas por Kamikazes às suas famílias dias antes de suas mortes.
Tenho o prazer de ter sido escolhido como um membro da Força de Ataque Especial, mas não posso deixar de chorar quando penso em você, mãe. Quando reflito sobre as esperanças que você tinha para o meu futuro… Eu me sinto tão triste que eu vou morrer sem fazer nada para lhe trazer alegria” – Ichizo Hayashi, última carta para casa poucos dias antes de seu voo final. Abril 1945.
Caro Masanori e Kiyoko,
Mesmo que não possam me ver, eu vou sempre estar observando vocês. Obedeçam a sua mãe, e não a perturbem. Quando vocês crescerem, sigam o caminho que vocês gostariam e cresçam para serem boas pessoas. Não invejem o pai de outros, pois eu me tornarei um espírito e observarei de perto vocês dois. Ambos, estudem muito e ajudem sua mãe com o trabalho. Eu não posso ser o cavalinho para montar, mas vocês dois serão bons amigos. Do Pai.” – Carta do Capitão Masanobu Kuno aos filhos de 5 e 2 anos, enviada na véspera do ataque.
Motoko,
Muitas vezes você olhou e sorriu para o meu rosto. Você também dormiu em meus braços, e tomamos banho juntos. Quando você crescer e quiser saber sobre mim, pergunte a sua mãe e tia Kayo. Meu álbum de fotos foi deixado para você em casa. Dei-lhe o nome de Motoko, esperando que você fosse uma pessoa gentil, bondosa e carinhosa.
Eu quero ter a certeza de que você estará feliz quando crescer e se tornará uma noiva esplêndida, e mesmo que eu morra sem você me conhecer, você nunca deve se sentir triste. Quando você crescer e quiser me encontrar, por favor, venha ao Kudan [Templo de adoração àqueles que se foram]. E se você orar profundamente, com certeza o rosto de seu pai vai mostrar-se dentro do seu coração. Eu acredito que você vá ser feliz. Desde o seu nascimento você mostra grande semelhança a mim, e outras pessoas costumam dizer que quando eles te viram, sentiram como se estivessem me vendo. Seu tio e minha tia vão cuidar bem de você que é a minha única esperança de sua mãe sobreviver. Mesmo que alguma coisa me aconteça, você certamente não deve pensar em si mesma como uma filha sem pai. Estou sempre te protegendo. Por favor, seja uma pessoa boa com as outras. Quando você crescer e começar a pensar em mim, por favor, leia esta carta. Do pai.
PS: No meu avião, eu continuo carregando como um amuleto a boneca que você ganhou quando nasceu. Então isso significa, Motoko, que está junto do pai. Digo isso porque eu estar aqui sem o seu conhecimento faz meu coração doer. – Escrita pelo Tenente Sanehisa Uemura de 25 anos à filha Motoko.
Entrei para o Corpo Shinbu Esquadrão de Ataque e vou pagar minha dívida de gratidão para com o país.
Pai e Mãe, eu me propus à batalha em alto astral. Pai e Mãe, eu coloquei uma foto do meu irmão mais velho no meu macacão de vôo. Pai e Mãe, estou profundamente envergonhado de mim mesmo que, até o final, não corrigi o meu discurso impróprio e rude de uma criança.
Mãe, você me criou desde que eu tinha seis anos de idade, e eu nunca disse “mãe” para você que é mais do que minha mãe biológica. Como deve ter sido triste para você. Eu pensei muitas vezes em chamá-la, mas eu não fiz diante de você, pois tinha vergonha.
Agora é a hora para eu chamá-la em voz alta: “Mãe”.
Provavelmente o meu irmão mais velho, no centro da China, também sente o mesmo. Mãe, por favor, perdoe nós dois. Agora, como estou saindo para a batalha para fazer um ataque especial, a minha única preocupação são as duas coisas mencionadas acima. Para além destas, eu não tenho arrependimentos.
As pessoas vivem 50 anos e eu viverei uma vida longa de 20 anos de idade. Quanto aos 30 anos restantes, dei a metade a cada um de vocês, pai e mãe. Por favor, usem o dinheiro guardado na caixa de cigarros.
Pai e Mãe, eu estou indo. Eu estou indo com um sorriso e a certeza de destruir um navio inimigo. – Carta do Cabo Nobuo Aihana, com 18 anos. Aki, sua madrasta, recebeu a carta depois do fim da guerra e a manteve como o seu bem mais precioso até o dia de sua morte, em 1975, quando faleceu aos 77 anos.
Referências:
https://warthunder.fandom.com/wiki/Ramming_(Tactic)
https://www.britannica.com/topic/kamikaze
https://www.history.com/.amp/this-day-in-history/first-kamikaze-attack-of-the-war-begins
https://www.nationalww2museum.org/war/articles/japans-kamikaze-pilots-wwii