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A história de seu Manoel, um ex-escravizado no último país do Ocidente a abolir a escravidão

O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão e isso deixou marcas profundas em nossa história. Promulgada em 13 de maio de 1888, a abolição oficializou o fim do regime escravocrata, mas não garantiu condições mínimas de sobrevivência aos ex-escravizados.

Isso fica evidente em todos os relatos históricos do período pós-abolição e pode ser visto de modo explícito nos relatos orais de Manoel Deodoro Maciel, um ex-escravizado que viveu 120 anos e deu depoimentos para jornais e documentários sobre esse período.

Manoel Deodoro Maciel nasceu em Belo Horizonte em 8 de janeiro de 1868. Filho de escravizados, inevitavelmente, ele teve o mesmo destino dos pais, já que a Lei do Ventre Livre só foi promulgada em 1871.

Ele cresceu na senzala e guardou em sua memória o período em que foi escravizado, assim como também se lembra com clareza do dia em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

A história de seu Manoel foi contada no documentário “Abolição” (1988), de Zózimo Bulbul e “O fio da memória” (1988), de Eduardo Coutinho. Nas duas obras, ele aparece como a história viva, sendo explicitada através de sua voz. É um homem negro, no final de sua vida, relembrando a sua trajetória de luta para sobreviver no país que o escravizou e não lhe deu condições de viver dignamente após se tornar um homem livre.

O depoimento de seu Manoel traz algumas afirmações que podem ser vistas como contraditórias para um homem do século XXI, que julga os fatos apenas a partir das suas perspectivas, mas ele é muito simbólico quando analisamos os acontecimentos a partir da perspectiva humana de quem os viveu.

Ao falar sobre o período em que era um homem escravizado, seu Manoel diz que o seu senhorio “era bom”, ele “só trabalhava debaixo das árvores, catando folhas e varrendo o terreno”. Na fazenda vizinha, porém, o senhorio era mal, ele “batia, enforcava e queimava os negros”.

Quando é questionado sobre a vida agora, no final do século XX, ele diz que os negros estão passando pela “amargura, vivendo coisas que nunca viveram antes”. O cineasta Bulbul se espanta com a resposta e questiona se a vida hoje é pior que na época da escravidão e seu Manoel diz que sim. Ele lembra que na escravidão apanhava e não tinha liberdade, mas que tinha “um lugar para dormir, tinha um lugar para ficar, para trabalhar, comia”, que ele mesmo plantava e completa afirmando: “hoje, ninguém faz nada por mim, ninguém faz nada por mim. Não tem espaço, não tem nem espaço. Todos os pretos no Brasil não têm nenhum espaço”.

Seu Manoel Deodoro Maciel explicita como o fim da escravidão não significou o caminho para uma vida melhor. A conquista da liberdade, não veio com a conquista de direitos sociais essenciais para viver dignamente. Sem casa, sem escola, sem trabalho, os ex-escravizados foram expulsos para os morros que, mais tarde dariam origem às favelas, para a exclusão social e para os postos de trabalho com menores salários e condições mais insalubres.

Uma matéria publicada em maio de 1988, pelo jornalista Uelinton Farias Alves, no “Jornal Maioria Falante” traz uma série de informações sobre a vida de seu Manoel que confirmam que ele teve uma trajetória marcada pela exclusão social. Depois de alcançar a liberdade com a promulgação da lei Áurea, ele passou por várias cidades de Minas Gerais, depois pelo Rio de Janeiro, até fixar residência em São Gonçalo, onde viveu até o fim de sua vida. Seu Manoel viveu uma longa vida, marcada por muita luta e trabalho duro, chegou aos 120 anos vivendo de favor na casa de um amigo. O país que o escravizou não lhe deu condições sequer de ter uma casa própria ou de ter uma velhice tranquila.

Seu Manoel não foi indenizado por ter sido escravizado, não recebeu qualquer apoio governamental. As suas falas deixam claro que, se como homem escravizado ele tinha um lugar dentro do país, como homem livre ele se viu abandonado à própria sorte, sem um lugar definido, compondo uma grande massa de homens negros e pobres.

Seu Manoel morreu em 1989, aos 120 anos de idade, mas, apesar da longa vida, ele não viu o país que o escravizou oferecer nenhuma reparação histórica aos ex-escravizados. Viveu todos os seus longos anos em um país marcado pela desigualdade e pelo racismo que segue entranhado em todas as suas estruturas.

Referências:

http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=arq_cultura&id=629301338342&pagfis=4980

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