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Combustível, pobreza, poluição e pobre morto: a tenebrosa tragédia da Vila Socó, um dos maiores incêndios da história do Brasil, que foi enterrado no esquecimento de muita gente

“Não devemos esquecer os nossos irmãos da Vila Socó, transformados em cinzas, lixo, em pó. A tragédia da Vila Socó mostra como o trabalhador é explorado, esmagado sem nenhum dó.” Esses versos de Gilberto Mendes relembram um incêndio que dizimou uma favela de Cubatão e entrou para a história como uma das maiores tragédias ambientais da cidade.

Na noite de 24 de fevereiro de 1984, os moradores da Vila Socó, em Cubatão, foram surpreendidos por um terrível incêndio que espalhou horror e morte pela vida já tão sofrida dos moradores daquela favela.

Localizada na altura do km 57 da Rodovia Anchieta, a Vila São José, era conhecida como Vila Socó por causa dos pássaros que pousavam nas casas de palafita construídas em cima do mangue.  A favela tinha sido construída em cima de um gasoduto, mas seus moradores jamais imaginaram que pudessem ser vítimas de um dos maiores incêndios da história de Cubatão.  

Cerca de 700 mil litros de gasolina vazaram de um dos oleodutos da Petrobrás que ligava a Refinaria Presidente Bernardes ao Terminal de Alemoa. A gasolina se espalhou pelas águas do mangue e destruiu 470 palafitas, provocando muitas mortes e destruição.

Capa do jornal Notícias Populares, 26/02/1984

Oficialmente, 93 mortes foram confirmadas, há quem diga, porém, que os números sejam muito maiores, podendo chegar a 500 mortos.

Na época, a favela tinha cerca de seis mil moradores. Pessoas humildes, que ocupavam a área irregular simplesmente porque não tinham outra opção de moradia e viram seus poucos pertences virarem cinzas diante do fogo que se alastrou rapidamente. Segundo os bombeiros, o incêndio durou sete horas e a grande preocupação era que as chamas se espalhassem para outras partes da Baixada Santista.

As imagens da destruição provocada pelas chamas tomaram conta de jornais do Brasil e do exterior. Corpos carbonizados de crianças apareciam boiando no mangue. Muitas delas tentaram se salvar das chamas se jogando no mangue, mas ele estava coberto de gasolina e fez com que a tentativa de fuga se tornasse o caminho para a morte.

Sobrevivente procura seus pertences em meio aos escombros.

A identificação das vítimas foi uma tarefa muito difícil, pois os corpos estavam totalmente carbonizados. Segundo o jornal “A Tribuna de Santos”, os peritos encontraram corpos de mulheres abraçadas com seus filhos, outras traziam seus bebês em seus ventres queimados.

Conforme a investigação, o vazamento aconteceu durante a transferência de combustíveis por uma tubulação que não suportou a pressão e acabou rompendo. Além disso, muitos moradores armazenavam gasolina em garrafas guardadas dentro de casa, o que tornou as palafitas onde viviam uma verdadeira bomba pronta para explodir com as chamas que se alastravam pelo mangue.

Apesar da proporção da tragédia, ninguém foi punido, as indenizações pagas aos sobreviventes foram irrisórias e muitos desaparecidos nunca foram encontrados, o que intensificou a dor daqueles que não tiveram sequer a oportunidade de velar seus mortos.

O incêndio da Vila Socó é mais uma das muitas tragédias esquecidas desse país marcado pela tragédia e pela negligência. Um país que segue empilhando corpos em tragédias anunciadas, que são lembradas apenas até que surja uma nova tragédia e uma nova pilha de corpos seja amontoada.

Referências:

https://f5.folha.uol.com.br/saiunonp/2014/10/1531855-fogo-infernal-deixa-93-mortos-em-cubatao.shtml

http://memorialdademocracia.com.br/card/descaso-e-fogo-em-cubatao-matam-500

https://www.scielo.br/j/ea/a/LzFm3G6XRHqLdwFsmjhWJJf/?lang=pt

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