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Holodomor: a monstruosidade que afetou para sempre as relações entre ucranianos e russos

Entre os anos de 1932 e 1933, a Ucrânia viveu um período terrível, marcado por uma grande fome que provocou a morte de milhares de pessoas por inanição. Conhecido como Holodomor, que significa “matar pela fome”, esse trágico episódio da história da Europa gera até hoje muitas discussões. Há quem diga que esse período foi um genocídio praticado por Josef Stalin com o intuito de dizimar o povo ucraniano. Outros dizem que, embora tenha sido um período terrível da história, as mortes não foram premeditadas para exterminar um grupo específico de pessoas, como prevê a definição original do termo genocídio.

Para compreender esse triste episódio da história do século XX, é preciso retornar a 1924, momento em que Stalin assumiu a liderança da União Soviética e começou a criar políticas que garantissem a abolição total da propriedade privada, promovendo a coletivização de todas as terras.  

Em 1929, esse projeto do líder soviético chegou ao seu ápice e foi decretada a entrega imediata de qualquer propriedade à União Soviética. Assim, grande parte da produção agrícola deveria ser entregue ao governo soviético, que a distribuiria igualitariamente entre todos os cidadãos.

Muitos proprietários rurais foram contrários a essa decisão e na Ucrânia essa resistência se tornou mais forte. Conhecida por seu alto potencial de produção agrícola, a Ucrânia se rebelou contra a decisão, mas se viu obrigada a seguir o que determinava o líder soviético. As medidas adotadas pelo governo soviético e um período de instabilidade meteorológica fizeram com que, em 1931, uma parcela da população ucraniana já começasse a enfrentar a fome, situação que se agravou muito mais no ano seguinte.

Para Stalin, a redução na produção ucraniana era fruto de uma sabotagem ao seu governo. Desse modo, ele determinou que a redistribuição de alimentos cessasse e que a venda de alimentos aos camponeses fosse proibida. Com isso, a fome começa a se espalhar por todas as áreas rurais do território. Para piorar a situação, o êxodo dos camponeses para a cidade foi proibido, restando a essas pessoas a morte por inanição.

Apesar de continuarem produzindo alimentos, os ucranianos foram condenados a morrerem de fome e foi exatamente isso que aconteceu. Há controvérsias quanto aos números exatos, mas as estimativas variam entre 4 e 12 milhões de mortos.

Diante desse cenário terrível, famílias inteiras morreram de fome, crianças nasceram mortas por causa da desnutrição e muitas outras perderam a vida muito cedo em decorrência de problemas de saúde oriundos da fome que as suas mães passaram durante a gestação. 

Aos olhos do mundo, a União Soviética prosperava, exportava toneladas de trigo e crescia economicamente. Enquanto milhares de pessoas passavam fome, chegando ao ponto de comerem a carne do ente querido morto para tentarem aplacar o vazio permanente que consumia os seus estômagos e não terem o mesmo destino do familiar que sucumbira à fome.

Durante muito tempo, esse horror foi abafado, o governo soviético fez tudo que pôde para manter essa história distante do resto do mundo. Foi só a partir de 1980 que uma investigação séria começou a ser feita sobre a grande fome da Ucrânia e o termo Holodomor se tornou mais conhecido.

O horror desse período deixou marcas profundas na história da Ucrânia e, atualmente, todos os anos, no quarto sábado de novembro, são realizadas celebrações públicas, marcadas pelo silêncio, pela chama de velas e por feixes de trigo. A cerimônia é uma forma de homenagear aqueles mortos que não tiveram direito a um funeral ou a qualquer homenagem. Seus corpos esqueléticos foram jogados em valas, amontoados como restos inúteis de pessoas que tiveram seus direitos básicos usurpados em nome de uma política desumana e assassina.  

Ainda hoje se discute se o Holodomor foi um genocídio ou um crime contra a humanidade. O fato é que esse terrível acontecimento poderia ter sido evitado. A Ucrânia tem um solo extremamente fértil, grande parte de seu território é adequado para o plantio. A fome foi provocada pela política de coletivização da agricultura e reorganização da distribuição de alimentos em toda a União Soviética. Uma política que foi mantida mesmo quando ficou claro que ela estava provocando a fome na Ucrânia, no Cazaquistão e no sudoeste da Rússia. 

A redução da produção de alimentos, a exportação de grãos e as quotas cada vez maiores que eram exigidas dos camponeses ucranianos fizeram com que a fome se espalhasse muito rapidamente e a morte se tornasse uma realidade corrente no campo, fazendo com que aldeias inteiras fossem dizimadas.

Para quem defende a ideia de que ocorreu ali um genocídio, essas mortes foram provocadas pela política implantada por Stalin e foram consequência do seu desejo de punir os ucranianos que haviam se colocado contra a coletivização da agricultura. Ao requisitar uma cota de alimentos muito maior do que os agricultores poderiam fornecer e impedir que essas pessoas saíssem do campo, o regime stalinista ia decretando a sentença de morte desse povo.

Referências:

DINIS, Paulo Cunha. Geórgia e a Ucrânia unidas pelo passado soviético e o secessionismo interno. Portugal: Observatório Político, 2014.

VESNEYAN, Sergio, “Genocídios no século XX: uma leitura sistêmica de causas e consequências”. Tese de Doutorado em Psicologia Social. São Paulo: USP, 2009.

PRADO, Anderson. “Holodomor (1932-1933)  Repercussões  no  Jornal  Ucraniano  –  Brasileiro  Prácia”. Editora Espaço Acadêmico, 2018.

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