“Ser corno ou não ser/ eis a minha indagação”, assim cantava o grupo Mamonas Assassinas em uma de suas músicas que virou febre nos anos 90. “Hoje é o dia do corno/ Foi bom te encontrar/ Vamos tomar um bom porre /Pra comemorar”, são versos de uma música de Reginaldo Rossi que tratam também da questão. A palavra “corno” vive na boca e na cabeça de muita gente, seja como motivo de piada a respeito daqueles que ganharam um belo par de chifres, seja no temor de ser o próximo a ostentar a famosa qualificação.
Presente em músicas, cordéis, romances, novelas e na boca do povo, o termo circula há muito tempo e pode ser objeto de deboche para quem chama o outro de “corno”, ou motivo de vergonha para quem exibe os chifres.
Mas de onde surgiu a ideia de relacionar o marido traído ao termo corno? Não há um consenso sobre isso. Alguns estudos etimológicos dizem que a expressão grega “kérata poiein” surgiu no século II e era usada com o sentido de “fazer corno a, enganar um marido”. Ela teria sido empregada pela primeira vez por Atemidoro na cidade de Éfeso. Outros, ainda, vão mais longe e buscam nas traições de Zeus uma explicação para essa associação, já que, ao sair para as suas puladas de cerca, o deus grego se transformava em um touro para não ser identificado por Hera.
Essas hipóteses vêm acompanhadas de várias outras. Não é possível determinar qual é a explicação mais adequada. No entanto, em cada uma das possibilidades levantadas, fica evidente que lidar com a dor de corno é um grande desafio.
Uma das hipóteses para explicar o que uma traição tem a ver com chifres e com a alcunha de corno, está em uma analogia feita a partir do comportamento de bois, carneiros e outros animais com chifres. As fêmeas desses animais vivem ao redor de um único macho, que é considerado o líder do grupo. Quando esse macho se vê traído por uma de suas fêmeas, ele se coloca em posição de ataque, chifrando os rivais.
Há também uma teoria que fala sobre uma lenda segundo a qual a cabeça da pessoa traída começa a doer e lhe surgem chifres como forma de comprovar a traição. Outra versão diz que, na Europa Medieval, o homem traído só poderia recuperar a sua honra se matasse a esposa e o seu amante, caso falhasse nessa missão, ele receberia um capacete de touro com chifres para mostrar que não exerceu devidamente a sua condição de homem.
Nas Ordenações Filipinas há referências a um castigo desse tipo. Editado em 1603, pelo rei Felipe II, esse código legislativo vigorou no Brasil até a Independência. No capítulo sobre adultério, o documento aponta que o marido que permite que a esposa cometa adultério deve ser açoitado juntamente com ela. Além disso, o casal deve usar um chapéu com chifres e ser degredado para o Brasil.
O dicionário Houaiss da Língua Portuguesa data de 1879 o uso do termo corno para referir-se a “que ou quem é traído pelo companheiro”.
Temos até o dia oficial do corno. Em 25 de abril, dia de São Marcos, fiéis faziam procissões e levavam até o altar do santo homenageado uma coroa com chifres, que era usada para coroar os homens casados.
Como se vê, são muitas as explicações para o significado que a palavra ganhou. O fato é que mesmo sem determinar claramente qual é a verdadeira origem desse sentido, o termo corno circula há muito tempo e pode vir acompanhado de adjetivos que explicam os diferentes tipos existentes. Há o “corno manso”, o “corno assumido”, o “corno desinformado”, o “corno raivoso”, cada qual lida com o seu chifre de uma determinada maneira e se vê no eterno desafio de enfrentar o peso que carrega em sua cabeça.
Referências:
https://super.abril.com.br/blog/oraculo/por-que-chamamos-de-corno-aquele-que-e-traido/
https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/471/1/arquivo1022_1.pdf
http://intervox.nce.ufrj.br/~sivaldo/chifre.htm