Entre os anos de 1989 e 1993, 26 crianças desapareceram na cidade de Altamira, no Pará. Elas foram sequestradas, levadas para lugares ermos, violentadas, algumas foram assassinadas e tiveram seus órgãos genitais arrancados. Os crimes ficaram conhecidos como “Caso dos meninos emasculados de Altamira” e tiveram uma grande repercussão no país e até em esferas internacionais.
As informações sobre esses crimes são bem diversas. Conforme a fonte, é possível encontrar variações no número de vítimas e nos suspeitos de terem cometido as atrocidades que foram feitas com esses meninos. Sendo assim, tomaremos como base as informações apresentadas na tese de doutorado de Paula Lacerda, defendida em 2012. Nesse trabalho, a pesquisadora analisa todos os processos envolvendo o caso, conversa com familiares das vítimas e faz uma análise detalhada de todos os meandros que envolveram esses crimes.
Em novembro de 1989, a primeira vítima foi encontrada. Um garoto de dez anos foi levado para o mato por um desconhecido, sedado e violentado. Ele teve seu pênis e bolsa escrotal arrancados, mas conseguiu sobreviver e pedir ajuda.
Dez meses depois, outro menino foi vítima de crime semelhante. Ele tinha nove anos, foi levado para a mata, sedado e teve seu pênis arrancado. Antes de desmaiar, o garoto disse ter ouvido vozes e visto as pernas de várias pessoas que estavam ao seu redor. Ele conseguiu sobreviver ao ataque e foi socorrido por uma senhora.
Depois desses dois episódios, outros cinco crimes semelhantes ocorreram até que Jaenes da Silva Pessoa, de 13 anos fosse sequestrado às vésperas das eleições municipais de 1992. Dessa vez, o garoto não sobreviveu. A partir dessa morte, uma ampla movimentação começou na cidade de Altamira. O medo que já era grande, ficou maior ainda. Boatos começavam a circular cada vez mais, suspeitos eram levantados e um mutirão de buscas foi organizado para achar o menino.
Dois dias depois de seu desaparecimento, o corpo foi encontrado. A Polícia Civil foi enviada à Altamira para esclarecer o caso. Grupos religiosos começaram a levantar semelhanças entre todos os casos envolvendo os meninos. Eram sempre crianças e adolescentes entre 8 e 14 anos, de origem humilde, que eram atraídos por um desconhecido e levados para locais ermos, nos quais eram sedados, tinham partes de seu corpo arrancadas, inclusive os órgãos genitais.
A investigação policial chegou a conclusões semelhantes. Para o delegado, arrancar o órgão sexual era uma “assinatura” do assassino e todos os crimes haviam sido praticados pela mesma pessoa.
Em 1990, Rotílio de Souza foi preso. Ele teria sido identificado por dois sobreviventes como o homem que os atacara. O acusado morreu algum tempo depois na delegacia de Altamira. As circunstâncias de sua morte nunca foram esclarecidas. Como mortes semelhantes continuaram a acontecer, a polícia chegou à conclusão de que Rotílio não era o “monstro de Altamira”.
Um novo suspeito foi apontado. Amailton Madeira Gomes, filho de um comerciante local, passou a ser considerado como suspeito. Ele era homossexual e tinha a fama de “assediar rapazes”. Algum tempo depois, a Polícia Federal incluiu na lista de suspeitos dois médicos, dois ex-policiais militares e uma mulher chamada Valentina Andrade, que supostamente liderava uma seita religiosa chamada Lineamento Universal Superior (LUS).
Os médicos seriam os responsáveis pelas mutilações sexuais, já que as lesões de algumas das vítimas indicavam que haviam sido praticadas por alguém que tinha conhecimento cirúrgico. Os ex-policiais seriam os responsáveis por atrair as crianças e garantir que o local onde os crimes seriam praticados não seria encontrado. Enquanto isso, a líder da seita praticava rituais satânicos e oferecia os meninos ao “Deus das Trevas”.
Durante o julgamento, Valentina Andrade foi inocentada. Os demais foram condenados, sendo que um deles estava foragido e foi dado como morto.
Uma sequência de crimes semelhantes no Maranhão, entretanto, acabou dando um novo rumo para as investigações. Entre setembro de 1991 e dezembro de 2003, 30 meninos maranhenses, com idades entre 4 e 15 anos, foram assassinados. Indícios de violência sexual foram encontrados em seus corpos e, em pelo menos 11 deles, seus órgãos genitais foram arrancados.
Em 2003, os casos de Altamira e do Maranhão foram reunidos em uma única investigação e o mecânico Francisco das Chagas Rodrigues de Brito foi preso acusado de ser responsável pelos crimes. Inicialmente, ele confessou a autoria dos crimes, mas disse não reconhecer alguns dos lugares nos quais foi levado para fazer a reconstituição dos assassinatos e afirmou não ter cometido nenhum tipo de violação sexual em suas vítimas.
Chagas confessou 42 assassinatos. Assumiu ter matado 32 garotos no Maranhão e 12 no Pará. As investigações policiais confirmaram as alegações do mecânico e a criminalista Illana Casoy confirmou que ele se tratava de um serial killer.
Francisco das Chagas passou por diversos julgamentos e inocentou os dois médicos condenados pelos casos de Altamira. Os dois acusados, entretanto, continuam presos, aguardando uma resolução final da justiça.
Em 2014, Chagas passou por seu último julgamento e acumula uma pena de 414 anos de prisão pelos crimes de homicídio, ocultação de cadáver e emasculação de 12 das 42 vítimas que ele confessou ter matado.
Há ainda muitas dúvidas a respeito desse caso. Embora Chagas tenha confessado a autoria de todos os crimes. As muitas alterações que faz a cada vez que fala sobre isso fazem com que a sua confissão não seja considerada como prova, fazendo com que a Justiça do Pará não aceite o pedido para reabrir o caso.
A família dos médicos acusados segue lutando na Justiça para inocentá-los. O ministro Marco Aurélio de Mello concedeu um habeas corpus aos acusados, descrevendo esse caso como o “maior erro judiciário da Justiça brasileira”. O fato é que até hoje o caso ainda não foi completamente encerrado. Embora Chagas cumpra pena pelos crimes cometidos contra 12 vítimas, ainda não ficou provado que ele seja o responsável pelas demais mortes e as famílias das vítimas e dos dois médicos acusados seguem lutando para que essa terrível história chegue, finalmente, a um desfecho.
Referências:
Lacerda, Paula. O “CASO DOS MENINOS EMASCULADOS DE ALTAMIRA”: Polícia, Justiça e Movimento Social/ Paula Mendes Lacerda. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 2012. Disponível em: https://www.academia.edu/7162465/O_caso_dos_meninos_emasculados_de_Altamira_pol%C3%ADcia_justi%C3%A7a_e_movimento_social
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2704200419.htm
http://nadir.fflch.usp.br/sites/nadir.fflch.usp.br/files/upload/paginas/ILANA%20CASOY.pdf