Entre os séculos XVI e XIX, 12 milhões de africanos foram capturados e vendidos como escravos em colônias europeias na América. Um terço desses escravizados foram levados em navios negreiros britânicos.
Arrancados de sua terra, homens e mulheres enfrentavam condições insalubres durante a longa viagem, muitos adoeciam e morriam no caminho. Em 1781, uma das muitas atrocidades que marcaram esse período entrou para a história: 132 africanos escravizados foram lançados vivos ao mar por um navio negreiro britânico chamado Zong.
Segundo o capitão, eles estavam doentes, se morressem dentro do navio representariam um grande prejuízo, mortos no mar, porém, poderiam ser compensados pelo valor que seria pago pelo seguro.
Comandado pelo capitão Luke Collingwood, o Zong partiu de Acra, atual capital de Gana, com 442 africanos escravizados, capacidade bem acima do que normalmente os navios negreiros transportavam. Eles seguiriam para a Jamaica, onde seriam vendidos.
Amontoadas em porões, acorrentados, viajando em condições terríveis, era muito comum que vários escravizados morressem durante a viagem. Assim, seus corpos eram lançados na água e, frequentemente, os navios negreiros eram seguidos por tubarões, que ficavam esperando os corpos caírem na água.
Durante essa viagem até a Jamaica, ocorreram erros de navegação e condições climáticas adversas, o que fez com que a viagem durasse meses e muitos escravizados ficassem doentes.
Vendo a sua margem de lucro diminuir a cada dia, Collingwood decidiu lançar os africanos mais debilitados ao mar. Para ele, seria mais lucrativo que eles morressem afogados, pois, diante das condições em que estavam, se chegassem vivos ao seu destino, seriam vendidos por um valor muito baixo.
Embora a tripulação tenha alegado que os africanos tenham sido lançados na água porque não havia mais água potável para todos, essa versão foi desmentida, já que eles foram jogados ao mar durante três dias e, no último dia, houve uma chuva, o que lhes permitiria coletar água potável para abastecer o navio.
Com a alegação de falta de água, o capitão do navio esperava receber o seguro. Sua versão, no entanto, não foi aceita pela seguradora e os proprietários do navio entraram na Justiça para receberem a indenização.
Em 1783, um tribunal britânico deu ganho de causa aos traficantes de escravos e determinou que o seguro fosse pago. A decisão causou indignação aos abolicionistas da época.
O nigeriano Olaudah Equiano e o inglês Granville Sharp encabeçaram um movimento de denúncia do que havia efetivamente acontecido aos africanos que estavam sendo trazidos pelo Zong. Eles acusaram os proprietários do navio de fraudarem o seguro, além disso, manifestaram indignação por terem sido julgados apenas por causa do seguro e não pela morte dos escravizados que foram lançados ao mar. Para Sharp, o que aconteceu no Zong deveria ser julgado como um caso de assassinato. De acordo com ele, a tripulação do navio deveria ser processada pelas mortes.
A mobilização foi em vão, o tráfico negreiro só foi abolido em 1807. Ninguém foi punido pela morte dos 132 escravizados. A escravidão só chegou ao fim nas colônias britânicas em 1833.
O terrível episódio entrou para a história como um dos muitos momentos em que o lucro foi priorizado em detrimento da vida humana. A vida de 132 africanos não teve valor algum para os traficantes de escravos. Para eles, era mais lucrativo lançar homens e mulheres vivos aos tubarões do que vendê-los por um preço abaixo do mercado.
Referências:
https://www.bbc.co.uk/programmes/m000pqbz
https://academic.oup.com/ehr/article-abstract/134/570/1317/5581646?redirectedFrom=fulltext
Imagem de abertura: “Navio negreiro”, de William Turner