De acordo com o censo de 2010, 0,4% da população argentina é afrodescendente, o que equivale a 150 mil pessoas entre 40 milhões de habitantes. Um número oficial bem pequeno, que passa a ideia de que não há negros na Argentina. Entretanto, como em toda a América Latina, o país também recebeu muitos africanos escravizados.
Conforme dados do censo de 1778, 30% da população argentina tinha origem africana naquela época, proporção que foi mantida em 1810. Em 1838, esse número caiu para 25% e, em 1887, essa população passou a compor menos de 2%. Mas a que se deve essa queda? O que aconteceu com os descendentes de africanos que viviam no país?
Há diversos fatores que explicam a redução estatística dessa população. O primeiro deles é que a chegada dos imigrantes europeus fez com que a população do país se multiplicasse e iniciasse um intenso processo de branqueamento. Além disso, segundo historiadores argentinos, os negros sempre ocuparam a linha de frente em todas as guerras e conflitos que ocorreram na história do país, portanto, muitos perderam a vida em combate. Durante o século XIX, os negros chegaram a ser usados como isca para o inimigo durante as guerras. O jornalista Jorge Lanata afirma que eles foram também os “primeiros desaparecidos” durante a ditadura militar.
O processo de abolição da escravatura na Argentina teve início em 1813 e foi confirmado pela Constituição de 1853. Vivendo em bairros afastados da capital e enfrentando situações de extrema miséria, os ex-escravizados sucumbiram diante da epidemia de febre amarela que se espalhou pelo país em 1871.
Todo esse processo foi fazendo com que a proporção de afrodescendentes no país fosse se tornando cada vez menor. A influência africana, entretanto, ficou cravada na cultura argentina. Até mesmo o tango tem em sua origem a influência da África, os primeiros compositores de tango no país eram afrodescendentes.
No dia 6 de janeiro, na província de Corrientes, é realizada uma festa em homenagem a San Baltasar, rei mago negro. Essa é uma das poucas tradições negras afrodescendentes que se mantém no país.
Fora isso, há um apagamento cada vez maior da presença negra na Argentina. E é bastante comum que os afrodescendentes sejam tratados como estrangeiros dentro do próprio país. Para o historiador Felipe Pigna, a redução da população negra argentina se deve ao uso dos negros como “bucha de canhão” nas guerras da Independência, nas guerras civis e na Guerra do Paraguai. Além disso, as epidemias de cólera e febre amarela provocaram um elevado número de mortes entre os mais pobres, principalmente os afro-argentinos que lutavam contra a doença e contra a miséria. Outro fator apontado por ele, é o fato de que havia uma natalidade muito baixa entre os escravizados, pois, segundo seus senhores, uma gravidez impediria a mulher escravizada de exercer as suas funções. Todos esses fatores, unidos ao intenso processo de miscigenação e branqueamento que ocorreu com a chegada dos imigrantes europeus fizeram com que a cor da pele dos argentinos fosse ficando cada vez mais clara e outros traços de origem negra fossem se apagando em meio a esse processo.
Aos afro-argentinos resta a luta para o reconhecimento de suas origens dentro do país em que nasceram e a constante reafirmação de que são argentinos, mesmo sendo confundidos como estrangeiros nascidos no próprio país. Para a cantora argentina Laura Omega, a questão vai muito além do racismo, ela é fruto da ideia disseminada de que não há negros na Argentina.
Diante disso, os ativistas têm encampado uma luta constante de reafirmação de suas raízes, de resgate da história do negro na Argentina e de análise crítica dos fatores que fizeram com que os afro-argentinos fossem se tornando invisíveis aos olhos do povo argentino e do mundo.
Referências:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/07/internacional/1483795840_886159.html
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48600318
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/03/4910512-onde-estao-os-negros-na-argentina.html
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft091103.htm