No final dos anos 90, quando falávamos de criminalidade no Rio de Janeiro, um nome logo se destacava em todos os noticiários. Fernandinho Beira-Mar marcou seu nome na história do crime no Rio de Janeiro como o maior importador de drogas e armas que o Estado já conheceu.
A favela Beira-Mar, localizada em Duque de Caxias, Rio de Janeiro, era conhecida, nos anos 60, por ser uma das regiões mais violentas do país. Berço de milícias e grandes traficantes, o local deu à luz, no dia 4 de julho de 1967, Luiz Fernando da Costa. O garoto, assim como muitos de seus vizinhos pobres, era filho de uma faxineira e nunca teve contato com pai. A mãe, uma mulher negra muito trabalhadora, morreu atropelada quando Fernando ainda era criança
Criado dentro da favela, por tias e conhecidos da família, Fernando passa a se interessar pela vida do crime. No início dos anos 80, passa a fazer parte de quadrilhas especializadas em furtos e roubos. Com inteligência e um senso de liderança fora do comum, Fernando resolve planejar e executar um plano ousado. Ele e alguns comparsas furtam armas de grosso calibre de dentro de um depósito do exército e tentam repassar o armamento para outros traficantes. A operação comercial não dá certo e Fernando é submetido à primeira prisão. Após alguns meses em cana, volta às ruas e descobre a aptidão para outra atividade ilegal: o tráfico de drogas.
No período, meados dos anos 80, os chefes do Comando Vermelho, facção formada dentro do presídio de Ilha Grande, foram libertados e estavam implantando o sistema de venda de cocaína nos morros cariocas. Luiz Fernando então, a partir de contatos feitos dentro da cadeia, passa a ser chefe do tráfico na comunidade em que nasceu e ganha o apelido que levará para o resto da vida: Fernandinho Beira-Mar.
É chefiando ações criminosas nessa comunidade, que Beira-Mar passa a enxergar a oportunidade de empreender no crime. O traficante se incomodava com a forma como drogas e armas chegavam no Morro. As armas, geralmente eram vendidas pelas mãos da polícia corrupta, sempre velhas e com funcionamento duvidoso. A cocaína dependia da vontade de homens ricos da zona sul ou dos próprios traficantes colombianos e bolivianos levarem o produto até as comunidades. Não era raro faltar o produto ilegal nas prateleiras das bocas de fumo.
É a partir dessa situação que Fernandinho Beira-Mar, através de uma habilidade ímpar de negociação, abre rotas de transporte de drogas e armas para o Brasil.
Antes de Beira-Mar, a cocaína, maconha e armas eram transportadas em uma longa jornada pelas matas da Amazônia. Um transporte bastante complicado. Segundo Allan de Abreu, em seu livro “Cocaína – A Rota Caipira”, Beira-Mar conseguiu trazer drogas e armas para o Brasil através do Paraguai, por rotas mais rápidas e eficientes.
A princípio, podemos não entender como essa mudança alterou a dinâmica do tráfico no Rio de Janeiro, mas pense no seguinte: Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia produzem 90% da cocaína que é consumida no mundo. Mas esses países não têm saída para o mar atlântico. Então, o país que separa esses produtores dos narizes europeus é o Brasil.
Com uma rota por estradas e aviões, como Beira-Mar pensou e executou, a cocaína chegava aos morros cariocas de forma rápida e barata e facilitava a exportação para os países europeus.
Então, segundo a justiça, até meados dos anos 90, Beira-Mar virou a referência na importação de drogas e armas. Nem todos os chefes de tráfico do Rio de Janeiro tinham contato e recebiam drogas e armas de Fernandinho. Mas todos eles, quando estavam em apuros, sem o produto, recorriam ao traficante.
Beira-Mar, porém, não parou por aí. Além de todo esse sistema de rotas, ele fez amizade com integrantes das Farcs, como Negro Acácio, um dos chefes das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas. Essa guerrilha, que domina parte do território colombiano, controla inúmeras plantações de cocaína. Segundo a Interpol e a DEA, Fernandinho Beira-Mar propôs dar comissão à Guerrilha, para que o grupo pudesse financiar armas para executar suas ações e objetivos, em troca, o traficante brasileiro pedia cobertura e proteção durante o processo de exportação da cocaína. O pacto facilitou ainda mais o acesso à drogas e armas. Segundo dados da Polícia Federal, esse esquema Beira-Mar + Farc chegou a movimentar 240 milhões de dólares ao mês. Uma quantia absurdamente grande e digna dos maiores chefes da história do tráfico de drogas.
Desse modo, Beira-Mar passou a dominar todo o processo do comércio de drogas até chegar ao nariz das pessoas. Ele importava, levava aos morros e ainda conseguia abastecer as comunidades com armas. Todo esse processo, feito de forma eficiente por anos, fez com que Beira-Mar se tornasse um dos principais líderes do Comando Vermelho e aumentou seu domínio em várias comunidades cariocas.
No final dos anos 90, com a investida do Estado na prisão de grandes traficantes cariocas, Beira-Mar foi caçado pela polícia de todo o Brasil e até pela Interpol. Nessa época, Fernandinho fugiu para o Paraguai e passou por vários países da América do Sul, até ser preso na Colômbia.
Para se ter uma ideia do poder e crueldade do traficante, durante o período de fuga da polícia, Beira-Mar foi gravado, em 1999, durante sua fuga, dando ordens para torturar e matar um estudante de 19 anos, que teria se envolvido com uma de suas ex-namoradas. A frieza com que o traficante dava as ordens para mutilar a vítima é de gelar o sangue.
De volta ao Brasil, agora com algemas nas mãos, Beira-Mar negou a maioria de seus crimes. Enviado para Bangu 1, uma prisão de Segurança Máxima, reformada para abrigar chefões do tráfico, o narcotraficante será responsável por uma das maiores vinganças e rebeliões da história do Sistema carcerário nacional.
Na época, o Comando Vermelho rivalizava com a facção ADA (Amigo dos Amigos), comandada por Ernaldo Pinto de Medeiros, o UÊ, um traficante bastante conhecido no Rio de Janeiro e que rivalizava dom Beira-Mar no tráfico de drogas e armas.
Em 1994, Uê ficou marcado por ser um dos maiores traidores da história do crime carioca. Para tomar a frente do tráfico de drogas no Complexo do Alemão, o mais rentável da época, Uê matou Orlando Jogador, seu primeiro mentor, e o cara mais respeitado do Comando Vermelho da época. Expulso do CV, UÊ vira um dos cabeças da ADA, mas fica marcado para sempre como um traidor covarde que armou uma emboscada para matar o próprio padrinho.
Em 2001, a justiça do Rio de Janeiro colocou membros da ADA e Comando Vermelho no mesmo presídio. Separados por setor, em Bangu 1, Uê planejava matar o rival Beira-Mar e tomar-lhe o poder que ainda detinha nas ruas. Fernandinho, muito esperto e bem relacionado, descobriu o plano, se reuniu com Marcinho VP, outro poderoso líder do Comando Vermelho, e os dois mobilizaram dinheiro e homens para acabar com UÊ
Então, no dia 11 de setembro de 2002, 50 homens do Comando Vermelho invadiram o setor da ADA em Bangu 1.
O resultado foi uma carnificina. Uê foi queimado vivo após sofrer vários disparos por arma de fogo e perdeu seus principais comparsas, como Robertinho do Adeus e o traficante Orelha. Homens que dominavam a facção ADA.
Após seu envolvimento nessa rebelião, Fernandinho foi transferido para várias outras penitenciárias, inclusive federais.
Sempre com um forte esquema de segurança, acredita-se que o traficante ainda tenha bastante influência no mundo do crime.
Atualmente, Beira-Mar cumpre pena no presídio Federal em Mossoró, Rio Grande do Norte. Graduou-se em teologia à distância, e o tema de seu TCC foi a vida de Jesus Cristo.
Fernandinho também pretende lançar um e-commerce e almeja lançar um livro contando toda a sua história.
Em todo caso, essa versão que contamos foi baseada em dados do Ministério Público, Polícia Federal, processos judiciais já julgados e na fala e livros de grandes jornalistas.
Aguardamos a versão final do livro, para voltarmos aqui e darmos a versão de Beira-Mar sobre a sua própria história. Enquanto isso, Beira-Mar passa longos dias pagando seus mais de 120 anos de penas, na cela 38, do presídio Federal que o Estado brasileiro lhe conferiu após inúmeros julgamentos pela justiça.