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O diabo de farda: como foram os terríveis anos de Pinochet no Chile

Homicídios, torturas, sequestros, desaparecimentos forçados, Caravana da Morte e todo tipo de violações aos direitos humanos marcaram a ditadura imposta por Augusto Pinochet no Chile. O general assumiu o poder em 1973, através de um golpe de estado concretizado no dia 11 de setembro.           

Na época, o Chile era governado por Salvador Allende. Eleito em 1970, o presidente seguia uma plataforma socialista e viu as Forças Armadas chilenas liderarem um golpe contra o seu governo, bombardeando o Palácio de La Moneda, no centro de Santiago. Diante da ofensiva, segundo os registros oficiais, Allende cometeu suicídio, embora tenha sido levantada a possibilidade de que ele tenha sido assassinado.                         

Após o golpe, uma junta militar formada por Augusto Pinochet, comandante do Exército, Gustavo Leigh, comandante das Forças Aéreas, César Mendoza, general diretor dos Carabineros, nome dado à polícia chilena, e José Tombio Merino, almirante da Armada, passou a controlar o país. Eles contaram com o apoio de uma parcela significativa da sociedade chilena que não concordava com os projetos sociais criados por Salvador Allende, assim, surgia uma “via chilena ao socialismo”, que contava com o amplo apoio dos Estados Unidos, em função dos embates ideológicos e da busca por poder desencadeados pela Guerra Fria.

O Chile passava a viver uma ditadura extremamente violenta, que combatia os seus opositores com tortura e morte. Construído sob o discurso anticomunista, o regime ditatorial de Pinochet dissolveu os partidos políticos, perseguiu os membros do governo Allende e reprimiu violentamente qualquer tentativa de oposição.            

O Estádio Nacional de Santiago foi transformado em um centro de detenção provisória. Seus vestiários foram utilizados como celas e execuções sumárias foram praticadas em suas dependências.       

A Constituição chilena foi abolida, foi declarado estado de sítio em todo o território nacional e centenas de pessoas foram executadas, entrando para uma longa lista de desaparecidos políticos. Muitas dessas mortes nunca foram devidamente investigadas. Especialmente nos primeiros meses da ditatura, não havia qualquer preocupação em agir dentro da legalidade, as pessoas eram sumariamente executadas pelo Exército ou pela polícia sem qualquer pudor. A Caravana da Morte percorria o país e fuzilava homens e mulheres sem qualquer julgamento prévio. Além disso, quem ia para o banco dos réus não tinha direito a recurso e um número considerável era condenado à pena de morte.     

Tomando como base a Lei de Segurança Estatal, a ditadura chilena dizia que qualquer pessoa que se colocasse contra o governo estaria cometendo crime contra a segurança do Estado. Desse modo, o número de prisões, execuções e desaparecimentos crescia progressivamente.

Um Departamento de Inteligência foi criado para conduzir os interrogatórios dos prisioneiros, determinar o grau de periculosidade dos detentos e coordenar os serviços de inteligência das Forças Armadas, Carabineros e agências de investigação. Em 1974, foi criada a “Dirección de Inteligencia Nacional” (DINA), subordinada diretamente ao Executivo e responsável por coordenar todas as ações de segurança nacional. Com membros que receberam treinamento na Alemanha, Estados Unidos, Coreia do Sul e Irã, a Dina foi a responsável pela Operação Condor, em 1975, através da qual interrogatórios eram compartilhados com países membros, inclusive o Brasil, e prisioneiros estrangeiros eram deportados e, na maioria das vezes, executados em seu país de origem.     

                   

Em 1977, receoso do poder que a DINA passava a ter, Pinochet substituiu o órgão pela Central Nacional de Inteligência (CNI). Essa nova organização também deixou como saldo um número alarmante de mortos, torturados, além de ser responsável pelo sequestro de crianças e adolescentes, filhos de quem se opunha à ditadura chilena.             

Mesmo mudando os órgãos e alterando diversas legislações ao longo do período em que esteve governando o Chile, uma alteração nunca aconteceu: Pinochet implantou um regime extremamente sanguinário, em que qualquer sinal de resistência era violentamente punido, espalhando o terror pelo país.    

Prisões arbitrárias, assassinatos, torturas, desaparecimentos e sequestros de familiares de militantes políticos, violações de mulheres grávidas e o sequestro de seus bebês, estupros e uma série de outros abusos foram a marca do regime chileno sob o governo de Pinochet. As prisioneiras enfrentaram terrores inimagináveis nos porões da ditadura chilena, além dos estupros praticados por militares, elas tiveram ratos vivos introduzidos em suas vaginas e foram violadas por cães pastores e mastins, treinados pelos militares para aumentar ainda mais a tortura a que essas mulheres eram submetidas. Muitas delas ficaram grávidas de seus algozes ou sofreram com a violência de correrem o risco de abortarem ou verem seus filhos nascerem com sequelas em virtude das constantes agressões sofridas.                  

Milhares de livros foram queimados, crianças foram vítimas de pedofilia, famílias foram completamente destruídas e os sobreviventes desse período de horror ficaram com sequelas físicas e psicológicas permanentes.        

    

Os opositores do regime eram mortos e torturados, crianças nasciam no cárcere e eram violentadas desde a sua concepção. Após o parto, mulheres eram executadas e seus filhos eram dados para as famílias dos militares que tinham sido responsáveis por suas mortes. Em meio a todas essas violações, o governo Pinochet agia como se tudo ocorresse dentro da mais completa normalidade no país, fazendo uso da imprensa oficial para anunciar que todas as suas medidas visavam a manutenção da ordem e o progresso nacional. Enquanto isso, os familiares de prisioneiros ficavam sabendo através do jornal sobre a morte de seus entes queridos, sendo que, em muitas ocasiões, as causas das mortes eram falsificadas.

Segundo a Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura, 94% das pessoas detidas pelo governo Pinochet sofreram torturas, como choque, lesões, simulação de fuzilamento, nudez forçada, roleta russa, asfixia, temperaturas extremas e privação do sono. Além disso, as mulheres sofreram violência sexual.

Conforme os números oficiais, o saldo da ditadura chilena foi 2.095 corpos e 1.102 desaparecidos, mas há quem diga que o número de mortos foi superior a cinco mil.

Os protestos contra o regime foram coibidos a tiros e gás lacrimogêneo e as vozes que se levantaram contra os abusos praticados foram caladas de forma violenta.

Em 1982, a ditadura de Pinochet começa a perder fôlego por causa de uma grave crise econômica. Em maio de 1983, sindicatos e estudantes organizaram greves e levantaram barricadas pedindo a democracia. As manifestações foram reprimidas com prisões em massa, mas o descontentamento foi se alastrando pelo país e, no ano seguinte, houve uma forte pressão para a instalação da Comissão Nacional contra a Tortura.

Em 1988, Pinochet concordou em realizar um plebiscito, mas seu governo foi rechaçado por 54% dos votos. No ano seguinte, através de eleições diretas, Patrício Alwyn assumiu o governo chileno. Augusto Pinochet, entretanto, continuou como comandante-em-chefe do Exército até 1998, assumindo, em seguida, o cargo de senador vitalício.

Em 21 de setembro de 1998, o ditador viajou para Londres e, após uma cirurgia, foi detido no hospital. Uma ordem judicial pedia que ele fosse extraditado para a Espanha. Sob a alegação de que ele sofria de demência, uma batalha judicial seguiu por 16 meses, até que, em março de 2000, ele voltou ao Chile. Em 2004, a Suprema Corte chilena determinou que ele tinha condições mentais de ser julgado por seus crimes. Em dezembro desse mesmo ano, ele foi colocado em prisão domiciliar e condenado pelo desaparecimento de nove ativistas.

No dia 3 de dezembro de 2006, Augusto Pinochet morreu, vítima de um ataque cardíaco, sem nunca ter sido efetivamente punido por todos os seus crimes. Do período em que esteve à frente da ditadura chilena, restou o horror dos momentos vividos pelos prisioneiros que sobreviveram, a dor das crianças que foram separadas de seus pais e criadas, muitas vezes, pelas famílias dos assassinos de seus pais biológicos, a tristeza de quem ainda chora sem ter tido ao menos o direito de sepultar o corpo do ente querido desaparecido e uma história manchada por muito sangue e violação dos direitos humanos.

Referências

https://epoca.globo.com/10-coisas-que-voce-talvez-nao-saiba-sobre-ditadura-de-pinochet-23054621

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752007000200010

AGGIO, Alberto. “O Chile de Allende: entre a derrota e o fracasso”. In: FICO, Carlos; FERREIRA, Marieta de Moraes; ARAÚJO, Maria Paula; QUADRAT, Samantha Viz (orgs.). “Ditadura e Democracia na América Latina: balanço histórico e perspectivas”. Rio de Janeiro: FGV, 2008.            

ARAVENA, Francisco Rojas. “A detenção do general Pinochet e as relações civis-militares”. In: D’ ARAÚJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (org.). “Democracia e Forças Armadas no Cone Sul”. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000. p. 125-157. 

           

 

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