No dia 26 de junho de 1990, 11 jovens desapareceram depois de saírem de um sítio em Suruí, em Magé, na Baixada Fluminense. Eles teriam sido levados por homens que disseram ser policiais e nunca mais foram vistos. Em 2010, o inquérito foi encerrado por falta de provas e o crime, que ficou conhecido como Chacina de Acari, segue sem que os corpos tenham sido encontrados ou qualquer pessoa tenha sido punida.
Diante da morosidade da justiça, as mães dos desaparecidos se uniram e formaram o grupo Mães de Acari, que passou a cobrar uma investigação mais efetiva do desaparecimento e a punição dos responsáveis.
O grupo de formou em busca de respostas para o desaparecimento de Luiz Henrique Euzébio da Silva, 17 anos; Rosana Souza Santos, 18 anos; Edson de Souza, 17 anos; Hédio Oliveira do Nascimento, 30 anos; Cristiane Souza Leite, 16 anos; Wallace do Nascimento, 17 anos; Hudson de Oliveira Silva, 16 anos; Antônio Carlos da Silva, 17 anos; Viviane Rocha da Silva,13 anos; Moisés Santos Cruz, 26 anos; e Luiz Carlos Vasconcelos de Deus, 32 anos.
Sob a liderança de Edméia da Silva Euzébio, Vera Lúcia Flores e Marilene Lima de Souza, as mães passaram a investigar o crime por conta própria e levaram o caso para diferentes organizações brasileiras e estrangeiras, chegando a serem recebidas por Danielle Miterrand, primeira-dama da França na época.
A mobilização das Mães de Acari acabou colocando a vida delas em risco, já que suas investigações poderiam levar aos assassinos de seus filhos. E foi justamente ao sair para ouvir uma pessoa que poderia ter informações sobre o crime que Edméia foi morta juntamente com a mulher que a acompanhava. Embora o assassinato de Edméia tenha acontecido em 1993, os acusados ainda não foram condenados.
Marilene e Vera também morreram sem ver um desfecho para a morte de seus filhos. Elas adoeceram antes de alcançar a justiça que tanto procuravam.
A luta das Mães de Acari não era só para esclarecer o que havia acontecido com seus filhos. Como é bastante comum quando jovens são mortos na favela, elas se viram diante da tarefa de defender a reputação dos jovens desaparecidos e provar que eles não eram criminosos, portanto, não havia justificativa para serem levados pela polícia. Não era só a vida que havia sido usurpada desses jovens, a dignidade deles também tinha sido tirada e suas mães encamparam uma longa batalha para resgatá-la.
Como forma de deslegitimar o grupo, muita gente passou a se referir a essas mulheres como “mães de bandido”, mas elas seguiram firmes em busca de justiça para os filhos desaparecidos. Para Vera Lúcia, uma das Mães de Acari, se seus “filhos fossem ricos e não negros, pobres e favelados, os culpados já teriam aparecido” e elas teriam “sido tratadas de outra maneira”.
Mulheres negras, pobres, moradoras da favela ou da periferia são as principais vítimas de dramas como os vividos pelas Mães de Acari. Além de conviverem com a dor da perda dos filhos, precisam lidar com os questionamentos sobre o caráter deles e com a imensa dificuldade de alcançar justiça.
Mulheres duplamente violentadas. Vítimas da violência de quem lhes tirou os filhos e do Estado que foi incapaz de auxiliá-las em sua luta para punir os culpados e poder ao menos dar um enterro digno às vítimas da legitimação do extermínio do povo negro e pobre.
Para essas mulheres, há uma cultura no Brasil de exterminar jovens negros e periféricos. Uma violência naturalizada que mata o corpo e destrói a alma. Não basta ver o filho morto caído no chão ou conviver com o vazio de não poder sequer enterrar o ente perdido. Há que se conviver ainda com a destruição da dignidade, com a humilhação diária de ter que implorar por justiça e, mais ainda, de se provar que essas pessoas merecem justiça.
Referências:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000200006
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/46292/46292.PDF