Ter coragem de ajudar judeus em plena Alemanha nazista não era uma tarefa fácil, tampouco realizada por qualquer pessoa, mas foi o que fez a brasileira Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa. Filha de um português e de uma alemã, Aracy nasceu em Rio Negro, no Paraná, no ano de 1908.
Após separar-se do marido, mudou-se para a Alemanha, levando consigo seu filho de 5 anos. A mudança era uma forma de se livrar do preconceito que as mulheres desquitadas sofriam no Brasil dessa época. Fluente em alemão, inglês e francês, Aracy passa a viver em Hamburgo e a chefiar a Seção de Passaportes do consulado brasileiro.
Em 1937, entra em vigor uma lei que restringia a entrada de judeus no Brasil e Aracy toma uma decisão que mudará para sempre a vida de dezenas de judeus. Ela começa a forjar atestados de residência falsos para que qualquer judeu pudesse pedir visto em Hamburgo, além disso, omitia a letra J em vermelho que deveria marcar os documentos dos judeus e misturava os passaportes em meio à papelada enviada ao cônsul, assim, os documentos eram assinados e os judeus seguiam para o Brasil.
Foi nessa época que Aracy conheceu o escritor João Guimarães Rosa que foi transferido para Hamburgo na condição de cônsul-adjunto. Separado de sua primeira esposa, com quem teve duas filhas, Guimarães Rosa apaixonou-se por Aracy e os dois viveram uma grande história de amor, e ela pôde também contar com o auxílio de Rosa em sua empreitada de ajudar os judeus a deixarem a Alemanha.
Eles permaneceram na Alemanha até 1942. Depois disso, voltaram ao Brasil e passaram a morar no Rio de Janeiro, onde viveram juntos até 1967, quando Guimarães Rosa faleceu.
Aracy morreu em fevereiro de 2011, aos102 anos, encerrando uma trajetória marcada por muita coragem e determinação. A primeira delas quando decidiu recomeçar a vida com seu filho em outro país, a maior delas quando colocou em risco a própria vida para salvar quantos judeus conseguisse. Ela chegou a esconder judeus em seu apartamento e a transportá-los escondidos no porta-malas de seu carro. Suas atividades fizeram com que se tornasse conhecida como o “Anjo de Hamburgo” e sua história veio à tona quando judeus salvos por ela passaram a contar sobre o quanto ela foi decisiva para que eles tivessem sobrevivido.
Em 1982, Aracy recebeu o título de “Justa entre as Nações”, homenagem concedida a não judeus que arriscaram a vida para salvar o povo judeu durante o Holocausto. Assim, ela foi reconhecida pelo Museu do Holocausto em Israel e teve seu nome incluído no Jardim dos Justos, ao lado de Oskar Schindler e Luiz Martins de Souza Dantas, outro brasileiro que também ajudou a salvar judeus. Ao ser questionada sobre os motivos de suas ações, Aracy disse que fez o que fez “porque era justo”.
No fim de 1968, Aracy mais uma vez fez aquilo que considerava justo e escondeu Geraldo Vandré em seu apartamento, pois ele passou a ser perseguido após sua música “Caminhando” se tornar um hino de protesto contra a ditadura. Foi o neto mais velho de Aracy, Eduardo Tess Filho, quem conduziu Vandré até São Paulo, para que pudesse depois seguir para o exílio.
Eternamente lembrada pelos descendentes dos judeus que ajudou a salvar, Aracy também teve seu nome eternizado na literatura, foi a ela que João Guimarães Rosa dedicou a sua obra-prima, “Grande sertão: veredas”, deixando-lhe a seguinte dedicatória: “A Aracy, minha mulher, Ara, pertence este livro”. Foi para ela também que ele escreveu centenas de cartas e declarações de amor, reforçando o quanto Aracy era importante em sua vida e também em sua obra. Segundo ele afirma em uma dessas cartas, “Os outros eu conheci por ocioso acaso. A ti vim encontrar porque era preciso”. Para todos os judeus cuja vida Aracy ajudou a salvar, cruzar com ela enquanto buscavam uma forma de deixar a Alemanha, também foi algo essencial para tivessem a chance e recomeçar suas vidas no Brasil. Desse modo, ela realmente tornou-se para eles o Anjo de Hamburgo e permitiu que tivessem a possibilidade de sobreviver.
Referências:
https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Historia/noticia/2020/01/quem-foi-aracy-guimaraes-rosa-brasileira-conhecida-como-anjo-de-hamburgo.html. Acesso em: 23/01/2020.
https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/morre-aos-102-anos-o-anjo-de-hamburgo-dihi8b9q5k2ujw2mvzkru2iby/. Acesso em: 23/01/2020.
https://www.dw.com/pt-br/a-brasileira-que-salvou-judeus-do-holocausto/a-51621847. Acesso em: 23/01/2020.
https://politica.estadao.com.br/blogs/marcos-guterman/o-anjo-de-hamburgo/. Acesso em: 23/01/2020.
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2019/12/11/a-brasileira-que-salvou-judeus-do-holocausto.htm. Acesso em: 23/01/2020.
http://elianebrum.com/reportagens/a-lista-de-aracy/. Acesso em: 23/01/2020.
https://revistapesquisa.fapesp.br/2011/11/11/a-guerra-dos-rosas/. Acesso em: 23/01/2020.