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64 coveiros à exaustão: o tenebroso “Dia dos Mil Mortos”, uma das datas mais trágicas e assustadoras da história do Ceará e do Brasil

10 de dezembro de 1878 foi um dos dias mais tristes da história de Fortaleza. A cidade lidava com o crescimento cada vez maior do número de retirantes que vinham do interior fugindo de uma das piores secas já vistas na região. A fome, as doenças e o desalento se espelhavam em progressão geométrica e a situação se tornou ainda mais caótica quando uma epidemia de varíola se espalhou por lá.

Conhecida como o “Dia dos Mil Mortos”, essa trágica data faz referência ao dia em que 1004 mortes foram registradas em um único dia.

Em meio à montanha de cadáveres que se espalhava pela cidade, 64 retirantes foram contratados como coveiros e, mesmo assim, não foi possível sepultar todos os mortos, muitos ficaram para serem enterrados no dia seguinte.

Pilhas de corpos iam sendo amontoadas diante de covas que foram abertas para recebê-los, os coveiros, porém, não aguentaram o cansaço, além disso, alguns também contraíram a doença. O sepultamento foi deixado para o dia seguinte e a cena que se viu no cemitério de Lagoa Funda foi dramática: urubus e cães disputavam os pedaços de carne dos cadáveres que tinham sido deixados empilhados no local.

Diante da terrível cena, os coveiros embriagaram-se para conseguirem lidar com tanto horror, afugentaram os animais com pedras e paus e enterraram em uma vala comum os pedaços de corpos que se espalhavam pelo cemitério.

Segundo Rodolfo Téofilo, Fortaleza parecia uma cidade fantasma, marcada pela tristeza e pelo luto. O comércio foi fechado e pelas ruas era possível ver apenas pessoas trajando roupas pretas ou “mendigos saídos dos lazaretos com signais recentes de bexiga confluente que lhes esburacou a cara e deformou o nariz”.

Os retirantes já chegavam à capital tomados de cansaço e fome. Diante da terrível doença, cadáveres caíam pelas ruas e o cheiro de carne podre e pus se espalhava por todo canto. A epidemia avançava desenfreadamente e, junto com ela, a miséria daqueles que fugiram da seca, mas foram dizimados pelas bexigas que corroíam seus corpos e disseminavam a morte numa velocidade que tornava impossível abrir covas para enterrar todos os mortos. Além disso, durante o trajeto até o cemitério, o vírus se espalhava e a doença seguia firme em seu trajeto de dor e morte.

Multidão aguarda o trem para Fortaleza, em uma estação em Iguatu no ano de 1877

Se em princípio as pessoas achavam que a doença ia atingir apenas os flagelados, com o passar dos dias, a elite de Fortaleza se viu contaminada e tendo que lidar com a perda de seus membros. Vasos de alcatrão passaram a ser acesos durante a noite como uma forma de promover uma desinfecção.

A fome, a seca e a varíola iam dizimando principalmente a população mais pobre do Ceará. O surto de varíola ocorreu em um período em que a miséria já se espalhava pelo sertão nordestino. O período que ficou conhecido como “Seca dos Três Setes” se estendeu entre os anos de 1877, 1878 e 1879. Em meio à escassez de alimentos e à desnutrição, a doença potencializou um cenário que já era de extrema miséria e dor. Acredita-se que 500 mil pessoas tenham morrido no Ceará durante esse período. A história dessa tragédia ficou registrada nas páginas da literatura de Rodolfo Teófilo, nos livros de história, nas páginas dos jornais e na memória daqueles que sobreviveram às bexigas que corroíam o corpo, à seca que dizimava a terra e à dor que dilacerava a alma.

Referências:

https://especiais.opovo.com.br/odiadosmilmortos/

http://www.uece.br/mahis/dmdocuments/disserta%C3%A7aodeleticia.pdf

NETO, Lira. “O poder e a peste: a vida de Rodolfo Teófilo”. 2ª edição. Fortaleza: Edições Fundação Demócrito Rocha, 2001.

TEÓFILO, Rodolfo. “A Fome”. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.

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