Entre os anos de 1868 e 1874 ocorreu um conflito religioso que marcou para sempre a história do Rio Grande do Sul.
Um grupo de imigrantes alemães se fixou na antiga Colônia de São Leopoldo, atual município de Sapiranga. Entre esses moradores, estavam Jorge Maurer e sua esposa Jacobina Mentz Maurer. Eles viviam na encosta do morro Ferrabraz. Jacobina sofria de ataques epiléticos e um curandeiro ensinou seu marido a usar ervas que tinham poder curativo para cuidar dela.
O conhecimento de Maurer passou a ser buscado por outros moradores da região e ele começou a indicar chás e ervas que teriam o poder de cura. Jacobina propunha também a cura espiritual, assim, fazia leituras em alemão da bíblia e apresentava interpretações livres para aquilo que lia. Maurer ficou conhecido como “Wunderdoktor”, o “Doutor Maravilhoso” e começou a dizer que as suas ervas curavam por causa de uma entidade superior: o “Espírito Natural”, que se manifestava através de sua esposa.
As pregações de Jacobina e os tratamentos indicados por Maurer ganharam cada vez mais popularidade e eles passaram a ter uma legião de seguidores, o que incomodou alguns habitantes do local, que passaram a ver o casal como uma ameaça à igreja.
Tanto pastores luteranos quanto padres católicos recriminavam os fiéis que frequentavam a casa de Jacobina. Ela começou a ser chamada de falsa curandeira e eles começaram a ser tratados como Mucker, palavra alemã que significa falso, desonesto, indicando que eles eram “santos fingidos”.
Desse modo, tem início o boato de que Jacobina e seu marido estariam formando uma seita e que já contavam com cerca de 600 adeptos. A tensão se espalha pelo local. Além das divergências religiosas, as dificuldades financeiras dos colonos, a falta de assistência médica e a disputa por terras acirra ainda mais os ânimos. Assim, acusações mútuas vão sendo apresentadas a cada dia. Acusações de saques, roubos e assassinatos são trocadas entre os Mucker e os demais colonos. Para os outros habitantes da região, os Mucker são fanáticos perigosos que, sob a liderança de Jacobina, espalham terror e desunião entre as famílias.
Em maio de 1873, Jacobina e seu esposo chegaram a ser presos em São Leopoldo, acusados do assassinato do comerciante Jacob Kramer e de serem responsáveis pelo suicídio de João Pedro Hirt. Como nenhuma prova foi encontrada contra eles, João Jorge e Jacobina foram enviados a Porto Alegre. Ele foi mandado para o quartel do corpo policial e ela para a Santa Casa de Misericórdia, para que pudessem identificar qual era o seu problema. Eles ficaram detidos até o final de 1873.
Quanto retornaram a Ferrabrás, a tensão ficou ainda maior. Os Mucker enviaram um abaixo-assinado ao imperador Dom Pedro II denunciando a perseguição que sofriam.
Em junho de 1874, tem início um confronto mais sangrento, que ficou conhecido como “A Batalha dos Mucker”. Comércios e residências foram incendiados, houve mortes de crianças e adultos, o que aumentou a pressão para que a Justiça e o governo estadual agissem contra o grupo.
Para os fiéis, os confrontos eram sinal de que o Apocalipse se aproximava. Jacobina dizia que o fim do movimento ocorreria juntamente com o fim do mundo. Essa ideia se tornou mais forte quando nasceu Leidard, a quinta filha dos Maurer. A menina passou a ser chamada de “Filha da Fé” e os fiéis diziam que ela era fruto apenas do espírito de Jacobina. Outros diziam que ela era resultado de uma relação extraconjugal de Jacobina com seu primo Rodolfo Sehn, o que provocou a expulsão de vários membros do grupo. Em 21 de julho de 1874, o Coronel Genuíno Sampaio foi morto enquanto liderava tropas imperiais para combater os Mucker. Esse seria o estopim para a destruição da seita. Em 02 de agosto de 1874, Jacobina Maurer e 16 de seus seguidores, que estavam escondidos nas matas do Morro Ferrabraz, foram mortos. A pequena Leidard também morreu durante esse confronto, há quem diga que ela tenha sido sacrificada pela própria mãe para que se cumprisse a sua profecia do fim do mundo.
Não há informações sobre como João Jorge Maurer morreu, ele tinha deixado o grupo um pouco antes do terceiro ataque do Exército. Meses depois, dois corpos foram encontrados em decomposição nas matas de Ferrabraz, um deles foi identificado como o marido de Jacobina.
Após esse desfecho trágico, os Mucker que sobreviveram foram presos e condenados. Depois de cumprirem a sua pena, passaram a viver em diferentes regiões do estado, mas continuaram sendo perseguidos por pessoas que os viam como fanáticos perigosos.
Diferentes versões dessa história são contadas. Em algumas delas, Jacobina e seus seguidores são apresentados como facínoras a serem combatidos. Em outras, ela é vista como uma líder religiosa que defendia aqueles que eram alvo da intolerância de quem não os compreendia.
No ano de 2009, um Memorial de Reconciliação foi erguido em Sapiranga, ao pé do Morro Ferrabraz, de modo a simbolizar a paz entre os descendentes dos Mucker e dos demais colonos da região.
Referências:
AMADO, Janaína. “A revolta dos mucker”. 2ª edição. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2002.
ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. “Videiras de cristal”. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991.
GEVHER, Daniel Luciano. “Diferentes escritos sobre um mesmo passado: as (re)atualizações do conflito Mucker na historiografia sobre imigração alemã no Rio Grade do Sul (1874-1977)”. Historiæ, Rio Grande, 8 (1): 109-131, 2017.
DOMINGUES, Moacir. “A Nova Face dos Muckers”. São Leopoldo: Rotermund, 1977.
DICKIE, Maria Amélia Schmidt. “Afetos e Circunstâncias: Um Estudo Sobre os Mucker e Seu Tempo”. São Leopoldo: Oikos; Editora Unisinos, 2018.
Imagem de abertura: Família de Francisco Maurer, filho de João Jorge Maurer e Jacobina Mentz Maurer.