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O desastre de Bhopal: a tragédia que não termina nunca

Era meia-noite quando os moradores de Bhopal, na Índia, começaram a ouvir os primeiros gritos e as pessoas começaram a correr desesperadas, com o ar queimando seus olhos e pulmões. Sem entender o que estava acontecendo, com uma tosse ininterrupta, eles fugiam sem rumo pelas ruas, vendo cadáveres caídos por todo lugar.

Um acidente na empresa de pesticidas Union Carbide India Limited (UCIL), provocou um dos piores desastres químicos da história. Na madrugada de 3 de dezembro de 1984, um vazamento de isocianato de metilo, gás altamente tóxico, provocou uma tragédia sem precedentes, cujas consequências são sentidas até hoje.

A fábrica de pesticidas era uma filial da empresa norte-americana Union Carbide Corporation (UCC). Ao seu redor, uma imensa favela havia se formado, o que contribuiu para que o número de vítimas fosse ainda maior.

Há controvérsias a respeito das mortes, mas estimativas apontam que 10 mil pessoas morreram nas primeiras 72 horas do vazamento. Além disso, os danos ambientais também foram imensos, a água da região foi contaminada e a sua ingestão contribuiu para uma série de problemas de saúde enfrentados pelos sobreviventes.

Construída em Bhopal em 1969, a empresa produzia agrotóxicos e o acidente ocorreu no momento em que os mecanismos de segurança estavam sendo consertados. O isocianato de metila era usado na fabricação do pesticida Sevin e ele se torna altamente tóxico ao reagir com água. Armazenado de forma incorreta em cilindros gigantes, o acidente aconteceu quando começou a entrar água nas tubulações conectadas aos cilindros. A reação do gás com a água provocou o rompimento do cilindro, fazendo com que o isocianato de metila se espalhasse por toda a região, liberando 30 toneladas de veneno no ar.

 A empresa não tinha um plano de emergência em caso de vazamentos e tampouco sabia dos efeitos do gás em contato com o corpo humano. A população que vivia ao redor da fábrica não tinha sido informada sobre como proceder em caso de acidente e isso contribuiu para o tamanho da tragédia.

Os moradores de Bhopal acordaram com o barulho das sirenes, com olhos lacrimejando e com o forte cheiro do gás que se espalhava ali. Desesperados, muitos correram em direção à fábrica, aumentando ainda mais o contato com o gás.

Em sua defesa, a empresa alegou que havia sido sabotada por um funcionário descontente. A UCC jamais assumiu que houve uma falha de segurança e de armazenamento do gás.  

Os números da tragédia não são precisos. A empresa, os ativistas e o governo indiano divergem muito sobre a questão.  As estimativas, porém, apontam que milhares de pessoas tenham morrido entre a noite do acidente e as próximas semanas. Além disso, os problemas de saúde decorrentes do contato com o gás provocaram a morte de muitas pessoas ao longo dos anos subsequentes. Mais de cem mil pessoas ficaram com sequelas permanentes e ainda lutam na Justiça para receberem compensações justas pelos danos sofridos. Centenas de crianças continuam nascendo com malformações por causa dos efeitos do gás.

Atualmente, o local onde a fábrica estava instalada está abandonado. Muitos produtos químicos perigosos continuam lá e, embora o governo do Estado de Madhya Pradesh tenha assumido o controle da instalação em 1998, ainda há muito a ser feito para que a aquele espaço não ofereça mais perigo.

Nenhum funcionário do primeiro escalão da UCC foi julgado pelo acidente. Os diretores da empresa foram embora da Índia e escaparam de responder a um processo criminal.

Em 2010, a Corte indiana condenou a UCIL e sete executivos indianos por homicídio culposo, mas eles entraram com recurso e continuam em liberdade. Nesse mesmo ano, o Departamento de Estado dos Estados Unidos declarou que o caso Bhopal estava legalmente encerrado.

Javier Moro, Dominique Lapierre, Sandra Martha Dollinsky, autores do livro “Meia-noite em Bhopal”, disseram que “Ignorar os pobres. Esse é o drama de Bhopal”. Um drama que parece não ter fim, já que os sobreviventes e seus descendentes seguem sendo ignorados pela justiça e sofrendo as consequências do terrível acidente que mudou para sempre as suas vidas. Convivendo com a cegueira, com diferentes tipos de sequelas, com o nascimento de crianças cheias de problemas de saúde e sem perspectivas de melhora. Incapacitados para o trabalho, abandonados pelo Estado e pela empresa responsável pela tragédia que marcou a história de Bhopal, essas pessoas parecem muito distantes de receberem alguma reparação efetiva pelas suas dores e verem de fato a justiça sendo feito.

Referências:

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222016000300116

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/12/141203_gas_india_20anos_rp

BAHIA, Antonio Fernando Nocetti. “Gerência de risco industrial – um estudo ‘ex-post’ sobre o acidente em Bhopal, Índia”. Dissertação de Mestrado. Brasília: UNB, 2006. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/3634/1/Dissertacao_VERSAO%20FINAL_Antonio%20Fernando%20Noceti%20Bahia.pdf

MORO, Javier; LAPIERRE, Dominique e DOLLINSKY, Sandra Martha. “Meia-noite em Bhopal”. São Paulo: Editora Planeta, 2014.

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