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A vida de Brenda Lee, a mulher trans que alterou a história da luta contra a AIDS no Brasil

Brenda, em vida, se tornou o anjo da guarda das travestis e transsexuais perseguidas no país que mais mata LGBTs no mundo.

Brenda Lee nasceu Cícero Caetano Leonardo, em Bodocó, Pernambuco, em 10 de janeiro de 1948. Aos 14 anos, expulsa de casa, migrou para São Paulo e foi morar no bairro do Bexiga. Popular e muito simpática, logo ficou conhecida. Primeiramente por Caetana. Brenda Lee veio depois.

Nos primeiros dias na capital, Brenda passou a trabalhar como prostitua, um dos poucos trabalhos que pessoas trans e travestis conseguiam na época.

Ao passar dos meses resolveu deixar a prostituição, pois não se adaptou às mazelas e dificuldades que esse tipo de serviço, nas ruas da capital, trazia.

Continuou se prostituindo por algum tempo até juntar dinheiro e adquirir um imóvel que mais trade transformaria em pensão.

Brenda Lee cuidando de duas de suas meninas

Com a renda adquirida através do empreendimento, Brenda passou a acolher jovens travestis expulsas de casa por suas famílias consanguíneas, em razão de sua homossexualidade – prática que resiste até os nossos dias.

Após uma série de assassinatos de travestis na região da Avenida Indianópolis e Chácara Flora, na Zona sul paulistana, em 1985, mais travestis foram acolhidas. Foi assim que surgiu o “Palácio das Princesas”. Espontaneamente Brenda cuidava das jovens com afeto e carinho – “realmente era uma grande mãe” diz uma travesti que morou no Palácio durante a adolescência e que hoje vive e trabalha em Paris.

Brenda cuida de infectadas pelo vírus HIV

Lee viabilizou a migração de diversas travestis para a Europa, em busca de melhores condições de vida e renda. Fidelizada a uma mesma agência de passagens e turismo, a funcionária que sempre lhe atendia guarda ainda muito afeto desse convívio, que as tornou grandes amigas.

Quando a epidemia da Aids começou a assolar o Brasil, as primeiras vítimas da doença e do preconceito foram os homossexuais e as travestis. Muitos jornalistas, apresentadores de televisão e políticos chamavam, erroneamente, a doença de “Peste Gay”, o que impulsionou a população a criar uma imagem social terrível das pessoas portadoras da doença, e dos grupos minoritários LGBTs.

Brenda, vendo o sofrimento de travestis e homossexuais que contraíam a doença e morriam à míngua, agonizando uma morte lenta e dolorosa, passou a acolhe-las em um dos andares de sua casa e virou uma das maiores militantes contra o preconceito e pelo tratamento dos soropositivos.
Além de constituir um convênio com o Hospital Emílio Ribas, Lee viajou para a Europa e Estados Unidos buscando auxilio de ONGs, Clube de Compras, pesquisadores e voluntários que ajudassem com dinheiro, estrutura e remédios para manter suas acolhidas vivas.

A Casa de Brenda se tornou quase uma extensão do hospital Emílio Ribas e uma entidade fundamental para a rede estadual de saúde, no setor de Aids. Essa ação contribuiu fortemente para a estruturação de uma rede de atendimento e conscientização pública no Estado de São Paulo e no país.

Em 1988 Brenda firmou convênio com a Secretaria de Estado de Saúde do Estado de São Paulo para acolhimento e cuidado de soropositivos, independentemente de gênero, sexo, orientação sexual ou qualquer outra distinção. A Casa das Princesas agora se chamava “Casa de Apoio Brenda Lee”.

Por mais de dez anos Brenda esteve à frente desse trabalho social voluntário, espontâneo e pioneiro. Fruto de seu entendimento pessoal da necessidade de comprometimento com a coletividade; da fraternidade e generosidade como valores a serem praticados cotidianamente.

Em 1996 Brenda sofreu um golpe financeiro de um funcionário, o qual ela tinha um relacionamento. O nome do sujeito era Gilmar Dantas Felismino. O sujeito, abusando da confiança de Brenda, alterou um cheque de R$150 para 2.950,00.
Ao descobrir o desfalque, Brenda fez um acordo de ele devolver o dinheiro. Mas ao dar carona para o irmão de Gilmar, foi surpreendida com tiros.

No dia 28 de maio de 1996, Brenda foi brutalmente assassinada com um tiro na boca e outro no peito e seu corpo foi encontrado mais tarde dentro de uma Kombi em um terreno baldio. Sua missa de corpo presente foi realizada pelo conhecido padre Júlio Lancellotti, e pelo grande cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Que à beira do caixão proferiu às seguintes palavras:

“Ela era uma pessoa especial e perdemos um símbolo da luta contra a Aids. … [Precisamos nos apegar na beleza e na garra de tudo que ela deixou para manter esta memória, Brenda Lee foi uma grande mulher.

Referências

ARRUDA, Laércio. Polícia Caça matador do Travesti Brenda Lee. (matéria de jornal digitalizada e disponibilizada na página vivasp, sem que seja possível identificar qual o jornal e a data da publicação).

TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso. 3ª edição.

https://memoriamhb.blogspot.com/2009/11/brenda-lee-e-o-seu-palacio-das.html

https://scielosp.org/article/rpsp/2009.v26n1/87-94/pt/

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