Saiba mais sobre a função dos “carrascos”, o pior trabalho da história do serviço público, e conheça a família Sanson, cujos membros ocuparam os cargos de executores oficiais do governo francês por quase 200 anos
A história da humanidade nos mostrou muitas funções profissionais que desapareceram ao longo do tempo. Uma delas, e talvez a mais perturbadora, é a dos executores públicos, conhecidos como carrascos.
O carrasco era o homem, encarregado pelo Estado, que aplicava as terríveis penas de torturas corporais e morte. A pessoa que ocupava esse cargo incorporava a terrível função de representar o Estado tirando vidas.
Apesar de o trabalho datar de períodos muito antigos, esses algozes ficaram famosos durante a Idade Média e Revolução Francesa, e também em momentos de grande tirania, nos quais o governo, para se manter no poder, aumentava a repressão e a perseguição contra opositores.
O nome carrasco nasceu por causa de um famoso verdugo português conhecido como Belchior Nunes Carrasco, homem que ficou à frente das execuções comandadas pelo estado de Portugal durante muitos anos.
Geralmente, o carrasco tinha uma vida de viajante, pois sua morada não costumava ser na mesma cidade onde executava as pessoas. O Estado marcava o dia, pagava a estadia e alimentação do executor, mas, a maioria deles, dormia ao lado dos calabouços e das prisões nas quais os condenados se encontravam.
Ao longo dos anos, com tantas mortes na carreira, o carrasco passou a ser visto como alguém que trazia má sorte. Tornou-se, no inconsciente coletivo, uma pessoa que carregava nas costas todo o sangue derramado pelo Estado, um incorporador da vingança do povo. Tanto que na França ou em países ibéricos, existiram cemitérios apenas para enterrar verdugos. Essa quantidade de preconceito e estigma levou muitos desses funcionários a esconder o próprio rosto e evitar situações em que pudessem ser identificados como profissionais da morte.
O profissional da morte precisava ser especialista em vários tipos de penas, as imputações iam desde torturas, como chicotadas e queima das partes íntimas, a mortes por esquartejamento, situação em que o apenado era amarrado a cavalos e tinha o corpo despedaçado, enforcamento e a terrível decapitação por machadada, esta última, exigia do verdugo uma mira e habilidade ímpar para arrancar a cabeça do sentenciado em no máximo dois golpes. Muitos carrascos erravam o pescoço do condenado e acabavam acertando o braço, ombros, parte da cabeça, o que atrasava ainda mais a execução e transformava a ação em algo extremamente doloroso.
Além das torturas e mortes, os verdugos também tinham contato com os últimos momentos de vida dos homens que iam matar. Essa situação gerou um código de ética entre esses homens que versava sobre a seguinte máxima: “As coisas que ouvimos, sejam de reis ou ferreiros, no momento de suas mortes, não devem ser divulgadas ou levadas em consideração, são homens desesperados, que jamais serão ouvidos novamente pela sociedade”.
Ao longo dos anos, o cargo passou a ter uma conotação negativa, o que gerou uma hereditariedade na ocupação da função, passando o trabalho de carrasco de pai pra filho. Uma das famílias de verdugos mais conhecida eram os Sanson, de origem francesa, que durante 200 anos, ocuparam o cargo público de carrascos na França, país onde, realmente, tinham uma grande quantidade de trabalho, principalmente durante a Revolução Francesa. Houve momentos em que chegaram a executar cerca de 300 pessoas em um único dia.
O mais famoso dos Sanson foi Charles-Henri Sanson, que ocupou o cargo de Alto-Executor da Primeira República Francesa, sendo responsável diretamente por quase 3.000 execuções, incluindo a do rei Luís XVI e a do revolucionário Robespierre.
Há uma história na França que versa sobre um encontro de Napoleão Bonaparte com Charles-Henri Sanson, em que o governante Francês trava um diálogo interessante com o carrasco, que um dia poderia cortar sua cabeça:
Napoleão: “Sanson, como, após tantas mortes, você consegue dormir em paz?”
Sanson: “Se os imperadores, os reis e os ditadores podem dormir bem, por que eu não conseguiria o mesmo?”
O cargo de carrasco foi extinto na França somente em 1981, após a última execução por guilhotina que ocorreu em 1977. O sentenciado foi um tunisiano acusado de torturar e matar a própria mulher.
Após essa morte, filmada e divulgada em todo o mundo, o governo francês resolveu extinguir o cargo e abolir, de vez, a pena de morte, deixando como carrasco somente as paredes e ferros que constituem uma cela de prisão.
Referências:
https://www.britishmuseum.org/collection/term/BIOG140867
http://www.marcosfaerman.jor.br/1969_06_21_CarrascoDeParis_TX.pdf