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A Chacina da Candelária: o crime contra crianças que chocou o mundo

Dentre os muitos episódios de violência que marcam a história recente do Brasil, a Chacina da Candelária assume a lista de casos que chocaram o mundo e abriram espaço para uma discussão mais séria a respeito da situação dos menores em situação de rua.

Momentos após à chacina (O Globo)

Na madrugada de 23 de julho de 1993, dois carros com placas ocultadas passaram pela Igreja da Candelária e efetuaram disparos contra um grupo de cerca de 40 crianças e jovens que ali dormiam. A ação resultou na morte de seis jovens nas imediações da Praça Pio X e na execução de mais dois jovens no Aterro do Flamengo.
O episódio, que ficou conhecido como Chacina da Candelária, espalhou o pânico entre a população em situação de rua e provocou sentimentos diversos. De um lado, houve uma comoção nacional e internacional contra a violência ali praticada. De outro lado, muitos aplaudiram a ação e disseram que foi uma “limpeza” dos marginais que viviam nas ruas daquela região.

Crianças assustadas são recolhidas em um abrigo após o crime.
(O Globo / reprodução)

A ação deixou oito jovens entre 11 e 19 anos mortos e foi praticada por policiais do 5º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Os policiais foram identificados por Wagner dos Santos, jovem que foi levado junto com os meninos executados no Aterro do Flamengo. Ele foi atingido por 4 tiros, mas sobreviveu e se tornou a principal testemunha no processo. Wagner acabou sofrendo um novo atentado um ano depois e, mais uma vez, sobreviveu a 4 tiros. Hoje ele vive na Suíça, em um programa de proteção à testemunha, é cego e surdo de um lado do rosto e nunca se esqueceu dos traumas severos que sofreu, tampouco acredita na justiça brasileira ou na possibilidade de que chacinas como a da Candelária não se repitam.

Crianças escondem o rosto no enterro de seus colegas
(O Globo / rerpodução)

De acordo com as investigações, a ação teria sido uma represália dos policiais porque os meninos apedrejaram uma viatura policial na tarde anterior. No entanto, há hipóteses de que as execuções aconteceram como queima de arquivo, já que havia policiais envolvidos em um grupo de extermínio e tráfico de drogas naquela região e alguns dos jovens mais velhos atuavam como traficantes para esse grupo.

Wagner, o sobrevivente da chacina no hospital.

Sete policiais militares foram acusados do crime, um deles foi morto durante o processo judicial. Três foram absolvidos. Os outros três foram condenados a penas de 200 anos de prisão, dois deles foram soltos antes de cumprirem 20 anos de reclusão. O terceiro nem chegou a ser preso, segue foragido até hoje.

Na época, a educadora Yvonne Bezerra realizava um trabalho com os meninos em situação de rua e foi avisada por telefone sobre o que estava acontecendo na Candelária. Ela foi uma das primeiras a chegar ao local e se deparar com os corpos no chão e muitas crianças e jovens completamente aterrorizados. Desde então, seu trabalho com menores abandonados se intensificou e ela afirma que a situação não mudou muito. Para Yvonne “o Estado e a sociedade toleram o massacre dos pobres”. Ela manteve contato por muito tempo com os sobreviventes da chacina, porém acredita que, com exceção de Wagner, todos estejam mortos, “nenhum deles chegou aos 50 anos”.

Manifestantes fazem protesto 25 anos depois da chacina
(folha press, rerpodução)

Um dos sobreviventes cujo destino acabou ganhando visibilidade foi Sandro Barbosa. Em 2000, ele sequestrou um ônibus no Rio de Janeiro e acabou morrendo asfixiado dentro de uma viatura policial. Sua história foi narrada no filme “Ônibus 174”, de José Padilha.

Crianças sobreviventes ajudam a enterrar Anderson Oliveira, vítima da chacina
( Luciana Whitaker, Folha, reprodução)

A Chacina da Candelária entrou para a história como mais um episódio de violência praticado contra jovens negros e pobres. Tornou-se um símbolo da luta por direitos dos meninos e meninas em situação de rua, mas também nos faz lembrar que ainda é muito comum no Brasil a naturalização do extermínio dessa população marginalizada, como se ações desse tipo pudessem ser legitimadas pela ideia de que “se foram mortos, boa coisa não eram”, trazendo à tona um lado perverso de nosso país que segue justificando a morte dessa parcela excluída socialmente e tratada com um problema a ser exterminado.

Referências:
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/07/25-anos-apos-chacina-da-candelaria-protecao-a-crianca-tem-falencia-no-rj.shtml
https://istoe.com.br/25-anos-depois-personagens-lembram-noite-da-chacina-da-candelaria/
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/07/130724_candelaria_vinte_anos_db_cc

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