Entenda como foi e as consequências do trágico evento para a história do Brasil
Em 2 de outubro de 1992, ocorreu em São Paulo o acontecimento conhecido como Massacre do Carandiru. O evento entrou para a história de cidade e do Brasil como um dos casos mais complexos da relação violenta entre sistema punitivo e encarcerados. As consequências do massacre geraram desde revolta de pessoas e instituições nacionais e internacionais ao nascimento da facção criminosa mais conhecida do país.
O Carandiru foi um presídio brasileiro fundado no início do século XX. Construído próximo ao centro de São Paulo, no bairro homônimo, o Complexo Penitenciário, a princípio, era uma instituição modelo, copiada dos moldes franceses para garantir a reabilitação e ressocialização de presos. Mas, ao longo do período da Ditadura Militar e com o crescimento urbano desordenado da cidade de São Paulo, causando graves problemas sociais, como a violência, a criminalidade, a falta de saneamento, o desemprego e a falta de acesso à educação, o presídio passou a ser abarrotado de pessoas e a qualidade do serviço público oferecido aos detentos e à sociedade foi caindo cada vez mais.
Em finais dos anos 80, com o forte movimento de volta da democracia e a promulgação da Constituição de 1988, muitos direitos foram conquistados para a vida no cárcere. Dentre eles, as leis de Execução Penal e as garantias individuais e coletivas.
Com o novo presidente eleito, Fernando Collor de Mello, e a política neoliberal que tentava enxugar o estado, os direitos garantidos em leis não tiveram como ser cumpridos, a violência policial aumentou e a quantidade de homicídios subiu consideravelmente. Já que quanto menos o Estado presta serviços básicos, maior o caos social e o aumento da violência.
Por conta desses fatores, em fins dos anos 80, rebeliões passaram a ser comuns nos presídios brasileiros, principalmente no Carandiru, instituição mais conhecida do país.
No dia 2 de outubro, uma sexta feira, dois dias antes das eleições municipais, após uma briga generalizada entre presos, dentro do pavilhão 9 da casa de detenção, uma grande rebelião tem início. Acredita-se que os dois presos que iniciaram a confusão eram Barba e Coelho, ambos faziam parte de quadrilhas rivais de diferentes zonas da cidade.
Próximo do pleito eleitoral, o governador Fleury apoiava Aluysio Nunes para candidato à prefeitura paulista, a rebelião generalizada rapidamente ganhou a cobertura midiática e o político passou a ser cobrado para pôr fim ao motim.
A polícia militar, então, foi chamada e, após um tempo de negociação, houve uma ordem superior para que os policiais invadissem o pavilhão. O pavilhão 9 não era considerado o mais perigoso do complexo, pois abrigava os réus primários e presos aguardando julgamento.
Foi então, que às 16h e 30 minutos, 341 policiais da Tropa de Choque de São Paulo receberam ordens para invadir o Pavilhão 9, os homens do governo foram comandados pelo Coronel Ubiratan Guimarães, experiente oficial da PM paulista. Ao adentrarem no primeiro piso do pavilhão, rapidamente Guimarães foi acertado no peito por um aparelho televisor. Desmaiado, foi retirado às pressas do local, e os soldados ficaram sem comando dentro do presídio, sem energia elétrica e com armas de fogo carregadas até os dentes. Nesse momento, ouviam-se muitos disparos. A entrada da polícia foi desastrosa e resultou em 111 presos mortos ao final daquela sexta-feira chuvosa. Após a entrada dos policiais civis e de peritos, verificou-se que boa parte dos disparos estava na altura de rodapés e no chão do presídio, o que caracteriza execução com os presos já rendidos. Um rio de sangue tomou conta do prédio, presos carregavam corpos durante a madrugada.
O evento se caracterizou por ser o maior em número de mortes já registrado dentro de um presídio na história da humanidade. O massacre do Carandiru é conhecido internacionalmente como uma das maiores violações dos Direitos Humanos já realizadas por agentes do Estado.
Ao longo de quase três décadas após o crime e milhares de páginas de processo, nenhum policial foi punido, pois não foi possível individualizar as condutas dos processados. Apenas o Coronel Ubiratan Guimarães foi condenado a centenas de anos de prisão, porém, passou a responder em liberdade, se elegeu Deputado com o número 14 111 e teve um fim trágico, sendo assassinado pela própria namorada.
Pesquisadores como Josmar Jozino, Carlos Amorim, Camila Caldeira e Dráuzio Varella afirmam que esse evento influenciou a formação do Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo eles, a facção nasceu da necessidade de evitar mais massacres e matanças dentro dos presídios.
O massacre em números:
8 presos mortos. Foi o que a polícia divulgou no dia, véspera de eleição.
111 presos mortos (é o número oficial, apesar de ex-detentos insistirem em mais de 200).
103 vítimas de disparos.
8 vítimas de objetos cortantes.
0 policial morto.
130 detentos feridos.
23 policiais feridos.
515 tiros disparados.
120 policiais indiciados.
86 policiais julgados.
1 policial condenado (cel. Ubiratan).
632 anos de prisão foi a sentença. (nunca cumprida)
Referências:
DIAS, Camila Caldeira Nunes. “PCC: Hegemonia Nas Prisões e Monopólio da Violência”. São Paulo: Saraiva, 2013.
JOZINO, Josmar. “Cobras e Lagartos: a verdadeira história do PCC”. São Paulo: Via Leitura, 2003.
ONODERA, Iwi Mina. “Estado e Violência: Um estudo sobre o massacre do Carandiru”. São Paulo: PUC-SP, 2001.
SALLA, Fernando. “As Prisões em São Paulo, 1822-1940”. São Paulo: Annablume Fapesp, 1999.
SALLA, Fernando. “Casa de Detenção de São Paulo – passado e presente”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo. v. 32, p.213-220, out./dez, 2000.
VARELLA, Drauzio. “Estação Carandiru”. 2ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.